domingo, 24 de dezembro de 2017

OS HOMENS MATAM PORQUE ESTÃO DOENTES?

Os homens são violentos e matam porque estão/são doentes. Essa sentença é martelada na cabeça da gente de tantas e tão diversas formas, que eu nem sei mais o que dizer. É pela medicina, é pela psicologia, é pela sociologia, é pelo discurso jurídico, é pelo senso comum, é pela esquerda, é pela direita, é pela mídia, pela Ciência, pela minha vó e pela minha colega acadêmica, é por todo mundo. Homens são violentos e matam porque estão/são doentes, dizem outros homens e repetem as mulheres, concordando com o ponto de vista masculino (sim, esse é um ponto de vista masculino e masculinista sobre a saúde e a doença e sobre a violência masculina). E repetem à exaustão porque é preciso continuar convencendo as mulheres disso, de que homens são violentos porque tem alguma doença (que se não foi diagnosticada, ainda vai ser), pra que elas continuem tendo compaixão por seus assassinos, agressores, espancadores, exploradores - por esses pobres coitados, doentes.

É sempre a mesma explicação. A doença de espancar e matar gente sempre tem causa neurológica, emocional ou psíquica. Qualquer que seja a doença que um homem tem, ela pode explicar sua conduta violenta - se ele não foi diagnosticado com alguma doença diagnosticável pelas autoridades médicas, atribui-se alguma doença mental/ emocional qualquer, nunca vai faltar uma patologia pra justificar a violência masculina, sabemos. Porque homens são violentos porque estão/são doentes, então, é claro, a doença é que vai explicar a violência masculina, SEMPRE.

Acontece, que homens matam, eles mantam, torturam, espancam, estupram, ateam fogo, ácido, encarceram, sequestram, mutilam, degolam, numa frequência gigante (seria uma epidemia loucamente fora de controle?). E eles fazem isso com crianças, mulheres, bichos, com outros homens. E eles fazem isso em números que configuram genocídio. E eles fazem isso quando lhes foi oficialmente diagnosticada alguma doença e eles fazem isso quando não lhes foi oficialmente diagnosticada doença nenhuma. Eles matam o tempo todo (uma pandemia!). Mas eles estão doentes, é claro. E a doença vai justificar a violência masculina, obviamente. "Matou porque estava doente", a TODO instante em que um homem agride ou mata, com ou sem diagnóstico especializado, lhe atribuem uma doença. A violência masculina é uma doença, a violência masculina precisa ser patologizada. Homens são violentos porque estão/são doentes.

Mas, vejam bem: a doença de matar gente, geralmente, ela só dá em homens.

Homens e mulheres têm doenças neurológicas degenerativas, mas quem no geral mata gente porque tem doença neurológica degenerativa? HOMENS.

Homens e mulheres têm doenças psicossomáticas resultantes de traumas e violências passadas, mas quem geralmente mata gente porque tem doença psicossomática resultante de traumas e violências passadas? HOMENS.

Homens e mulheres têm doenças neurológicas resultantes de traumas físicos no cérebro, mas quem geralmente mata porque tem doença neurológica resultante de trauma físico no cérebro? HOMENS.

Homens e mulheres tem doenças psicossomáticas e neurológicas resultantes de causas não conhecidas, mas geralmente quem mata gente porque tem doenças psicossomáticas e neurológicas resultantes de causas não conhecidas? HOMENS.

Homens e mulheres têm angústias, medos, dores, sofrimentos e desequilíbrios psíquicos e distúrbios emocionais, mas quem geralmente mata porque sente angústias, medos, dores, sofrimentos e desequilíbrios psíquicos e distúrbios emocionais? HOMENS.

Até quando homens vão continuar convencendo as mulheres que eles espancam, estupram, matam, mutilam, queimam, encarceram, degolam, numa estatística que configura GENOCÍDIO porque estão ou são doentes?

Mulheres, não caiam nessa.

Espancar, estuprar, mutilar, queimar, degolar, matar NÃO é sintoma de NENHUMA doença.

Isso mesmo: ZERO doenças têm como sintoma espancar, estuprar, mutilar, queimar, degolar, matar. (Antes que alguém mencione, não se esqueçam que psicopatia e pedofilia são "doenças" que só dão em homens, logo...)

HOMENS SÃO VIOLENTOS E MATAM PORQUE ELES CRIARAM E MANTÉM UMA CULTURA QUE PERMITE E INCENTIVA HOMENS A MATAR PARA QUE HOMENS CONTINUEM NO PODER.

Homens são violentos e matam porque serem senhores da vida e da morte é parte da simbologia e da materialidade da cultura masculina, seja entre homens acometidos por qualquer patologia ou por homens sãos - no patriarcado homens doentes e sãos estão autorizados a matar.

O Patriarcado é justamente esse lugar histórico em que os machos humanos expropriaram o poder da criação das mulheres, nos encarcerando e nos matando, a nós e a nossos filhos, e em que reelaboram a narrativa da criação, atribuindo a eles (na figura de um Deus supremo masculino e da violência material cotidiana autorizada aos homens) esse poder, o poder de vida e o poder de morte.

Homens matando no patriarcado NÃO é doença, é NORMA.


quinta-feira, 22 de junho de 2017

FEMINISMO, MULHERES, SEXO, GÊNERO E A PERVERSA SEMÂNTICA LIBERAL-PATRIARCAL

Dizer que uma pessoa do sexo masculino é uma pessoa do sexo masculino não é ofensivo - a menos que toda Ciência, a começar pela biológica, seja reescrita, que todos os seus conceitos e todas as premissas de inteligibilidade do mundo e dos fenômenos naturais e sociais sejam reformulados, e que criemos novas compreensões sobre como os fenômenos, o mundo e a realidade existem e se comportam, lá desde o início da fundação da ciência, do conhecimento e da linguagem - porque, fora isso, o sexo masculino ainda continua sendo o sexo masculino e o sexo feminino continua sendo o sexo feminino, pelo que me conste, e não há, ainda, outra forma de dizê-los e, portanto, não há ofensa ou crime nenhum em observar e dizer sobre os sexos o que eles são. Então, a menos que me ofereçam novos parâmetros de inteligibilidade e linguagem para o mundo e a realidade, eu vou continuar dizendo que afirmar que o sexo masculino é o sexo masculino e o sexo feminino é o sexo feminino não pode configurar crime, ofensa ou agressão pra ninguém. E, muito menos, que dizer que uma pessoa do sexo masculino é uma pessoa do sexo masculino pode ser uma loucura, uma irracionalidade, uma violência ou uma tentativa de desumanização de alguém (até porque, o sexo desumanizado não é o sexo masculino, né?). Só se a gente estivesse em um surto coletivo poderíamos ignorar todo um sistema milenar de linguagem e compreensão do mundo, sem sequer ter criado outro, pra poder dizer que pênis, próstatas e escrotos podem ser, ao mesmo tempo, o sexo masculino e o sexo feminino e que vulvas, vaginas, úteros e ovários podem ser, do mesmo jeito, o sexo masculino e o sexo feminino concomitantemente (e unicamente obedecendo a vontade individual das pessoas que decidem por isso, sem nenhuma referência num sistema cultural ou num sistema de linguagem e de inteligibilidade pré-existente). Mas  nós não estamos nesse surto coletivo, estamos?

Desta forma, dizer que o sexo masculino (significado e realizado na sociedade patriarcal como o sexo masculino a partir de um sistema de sentidos e significados e de uma organização material que hierarquiza as diferenças sexuais e coloca o sexo masculino no lugar de superioridade) é o sexo privilegiado nesse sistema por estar na posição superior da hierarquia sexual em relação ao sexo feminino, dizer isso também não deve ser nenhum crime, nenhuma loucura, nenhuma violência contra o sexo masculino, não? Apontar e nomear o sexo masculino como sexo masculino dentro de um sistema que significa e realiza o sexo masculino como o sexo privilegiado é um problema? Apontar e nomear o sexo masculino como privilegiado num sistema que privilegia o sexo masculino, é um problema? Pra quem? Apontar e nomear a violência patriarcal do sexo masculino contra o sexo feminino, num sistema que significa e realiza o sexo masculino a partir de uma posição superior na hierarquia sexual, privilegiando, autorizando e criando meios, assim, para a perpetuação da violência, dominação e exploração do sexo masculino contra o sexo feminino deve ser evitado por quê exatamente? Afirmar que é ofensivo, criminoso, irracional e desumano que o sexo feminino aponte e nomeie que o sexo masculino é o sujeito da violência e dominação históricas do sexo masculino contra o sexo feminino interessa a quem, afinal? Dizer que apontar o sexo masculino como sexo masculino é desumanizante para sexo masculino serve a quê e a quem? Que sistema patriarcal é esse em que apontar e nomear o sexo masculino como o sexo masculino configura um processo de desumanização do sexo masculino e um sistema de opressão promovido pelo sexo feminino contra o sexo masculino? Que sistema patriarcal é esse em que apontar o sexo masculino como sexo masculino, como sexo privilegiado na hierarquia sexual configuram um instrumento de poder do sexo feminino contra o sexo masculino dentro do sistema de opressão que, em tese, oprime o sexo feminino?

A gente tá vivendo um surto coletivo?

Ou o patriarcado acabou e a gente nem percebeu?

Ou as mulheres não compreendem muito bem ainda o que o patriarcado é porque a nós é negado o acesso aos significados reais e ao conhecimento de nossa história, da história do nosso sexo, da origem de nossas opressões, da história, fundamentos e funcionamento do patriarcado, do sistema que oprime e explora o sexo feminino? E porque ao sexo masculino, o sexo superior na hierarquia do patriarcado, interessa que continue assim?

Ou será, ainda, que um movimento masculinista, patriarcal e antifeminista poderia querer aniquilar tudo que já conquistamos, tudo que já chegamos a conhecer e nomear sobre o patriarcado e sobre nossa condição, e poderia querer tentar nos convencer, e a toda sociedade, que, dentro de um sistema patriarcal - fundado numa hierarquia sexual, em que o sexo feminino historicamente dominado e explorado pelo sexo masculino - as  mulheres nomearem e apontarem o sexo masculino e a violência do sexo masculino como o que elas são poderia configurar um processo de desumanização do sexo masculino e um processo de opressão do sexo feminino contra o sexo masculino? Porque me ocorre muito precisamente que estão tentando nos convencer disso, confere?

Não pode parecer um absurdo tão grande assim (se nós somos capazes de admitir que o patriarcado é mantido por uma hierarquia sexual, pela dominação e exploração históricas do sexo feminino pelo sexo masculino) que nomear os sexos e o lugar deles na hierarquia sexual é importante pra compreender e combater o patriarcado e a nossa exploração, não? Se a gente pude admitir que, historicamente, desde sempre, é o sexo feminino o sexo vilipendiado, estuprado, violado, explorado, em sua sexualidade, em seu trabalho, em suas potências reprodutivas, oferecendo seu tempo, sua vida, seus sentimentos, seus serviços domésticos, sexuais, sua submissão, conforto emocional e material e prole aos homens para construir e manter a sociedade e a economia patriarcal - e que isso importa, e muito!, na nossa história - podemos concordar, também que o sexo importa? Que nomear os sexos, que localizá-los historicamente, que localizá-los dentro da hierarquia sexual, que compreender o comportamento da violência perpetuada de um sexo sobre o outro, desde o passado até os dias de hoje, importa sim pra gente compreender a origem e a manutenção da nossa opressão, porque o patriarcado se mantém a partir dessa hierarquia sexual que nos explora e oprime? Podemos concordar com isso? Que o sexo importa? Sim, importa.

Mas tem um grande problema aí, porque admitir que o nomear os sexos, a hierarquia e a violência sexual importam pra compreender a origem da opressão do sexo feminino é o início do caminho pra gente entender profundamente as raízes da nossa opressão - e a forma mais eficaz de criar estratégias pra combatê-las em seu cerne, justamente aonde elas se enraízam, em seus sentidos mais profundos. Se a gente consegue, então, concordar que o patriarcado é fundado em uma hierarquia sexual (vale lembrar que "patriarcado" = patri+arcado, donde "patri" se refere a pai, a homem, ao sexo masculino, e "arcado", a poder, a posição superior, a hierarquia) em que o sexo masculino ocupa uma posição superior e o sexo feminino ocupa uma posição inferior - e, dentro de um sistema de dominação e exploração isso significa, fundamentalmente, que um sexo cria e mantém estratégias de dominação e exploração e outro sexo é criado e mantido submisso a essas estratégias de dominação e exploração e que isso importa e não pode ser silenciado ou negado. E, então, fica tão óbvio o absurdo de toda essa falácia discursiva de que o sexo feminino poderia ter algum poder de dominação, desumanização, opressão e exploração sobre o sexo masculino apenas por nomeá-lo e apontá-lo como o sexo masculino, como o sexo privilegiado no patriarcado e como o sexo sujeito da violência e exploração contra o sexo feminino, fica tão evidente essa falácia masculinistas e patriarcal, que o discurso pós-moderno, as teorias queer e a as teorias transgeneristas (ambas patriarcais, pós-modernas e neoliberais) precisaram, desesperadamente, inventar uma estratégia discursiva e política pra resolver isso: apagar a palavra sexo de todo e qualquer debate e/ou qualquer política sobre o patriarcado, apagando, assim, progressivamente, também, toda realidade que essa palavra evoca e qualquer debate sobre ela. Assim, é fundamental para a sobrevivência dos projetos transgêneros e queer apagar a hierarquia sexual que submete as mulheres, apagar o debate sobre a hierarquia sexual que submete as mulheres, apagar a consciência sobre realidade material da hierarquia que submete as mulheres, apagar os significados mais profundos do que significa viver como sexo feminino e ser uma mulher no patriarcado, nos impedindo de dizer o que é ser essa mulher, substituindo toda a questão sexual por "gênero", em todo e qualquer debate, em qualquer espaço, em qualquer política, justamente pra apagar o fundamento da opressão das mulheres, os sujeitos dessa opressão, e permitir que o sexo masculino diga, então, pelo "debate de gênero", que ele sabe tão bem o que é ser uma mulher que pode até mesmo ser uma e definir o que é ou não uma mulher a partir de sua experi~encia de sexo masculino. E que ele, portanto - o sexo masculino que agora é uma mulher - tem o direito de ignorar tudo que as mulheres estão dizendo sobre a relação fundamental entre ser mulher e a exploração do sexo feminino pelo masculino para continuar definindo, a partir de seus próprios sentimentos e pensamentos misóginos e falocentrados de sexo masculino, o que é ser uma mulher., E, então, os "estudos de gênero" colocam, dessa forma, o sexo masculino no centro de um debate - o feminismo - que deveria ser sobre nós e sobre a nossa opressão sexual,  mas que agora é sobre "gênero" e "problemas de gênero" e que inclui a violência e a opressão que o "gênero feminino" também pode impor sobre o "gênero masculino" quando o sexo masculino "se sente" como uma mulher e define a nossa condição a partir de seus sentimentos misóginos e falocentrados. E, agora, portanto, o patriarcado é sobre isso, não é mais sobre hierarquia sexual, sobre exploração sexual, é sobre "gênero". E a opressão das mulheres - a violência, opressão e exploração históricas do sexo masculino contra o sexo feminino - virou uma época superada que figura somente nos antigos livros de História ou um delírio histérico de feministas materialistas e feministas radicais.

Enquanto o sexo feminino continua sendo o sexo dominado e explorado pelo sexo masculino na realidade material de uma economia patriarcal, os homens de batom e glitter estão promovendo debates e políticas ditas "feministas" sobre como podem ser oprimidos pelas mulheres - antes o sexo oprimido e explorada no sistema de exploração patriarcal, as mulheres são, agora, reclassificadas como privilegiadas dentro desse mesmo sistema sob a alcunha de "cis". E o sexo masculino está, então, novamente (porque o feminismo tinha tirado o sexo masculino do centro de todos os debates e criado um debate centrado no sexo feminino que era, vejam só!, o debate feminista) no no centro de todos os debates sobre "gênero", no Brasil e no mundo todo, até mesmo dentro do próprio feminismo.


[O gaslaite do século, ein! Mas o sexo masculino é mesmo bom nisso, vocês negam?]

Bem, então, como podemos perceber, segundo as teorias e movimentos queer e trans (cujos pressupostos de existência de pessoas trans e não-binárias se fundamentam na Política de Identidades pós-moderna, na qual as pessoas são aquilo que escolhem ser, ou seja, aquilo com o que se autoidentificam individualmente), segundo essas teorias e movimentos, a hierarquia sexual (o cerne histórico da dominação e exploração das mulheres pelos homens), realmente não existem mais - e elas precisam negar a existência da hierarquia sexual e da exploração do sexo feminino como fundamento da opressão das mulheres porque admitir isso impossibilita a existência do gênero como mera identidade, e impossibilitaria a prática da autoidentificação de gênero e a ideia de que homens poderiam ser mulheres apenas por dizer que se sentem como tal, sem nunca terem vivenciado a experiência material de nascer sexo feminino numa sociedade que forja mulheres como o sexo inferior, o sexo violável e explorável. É preciso negar toda a questão sexual, pois admitir a hierarquia sexual como fundamento do patriarcado recolocaria a questão da opressão no sexo, na hierarquia sexual, e apontaria que, no patriarcado, o sexo masculino é o sexo superior na hierarquia, o sexo agente da opressão, o sexo privilegiado - e isso não deve ser denunciado, ao contrário, isso precisa ser negado e apagado para que o sexo masculino continue no poder e continue dominando e explorando o sexo feminino. Então, pra levar esse projeto à cabo, a partir do nada, apenas no nível do discurso, sem nenhuma conexão com nenhuma realidade histórica, eles ressignificam o patriarcado, criando um novo sistema de dominação patriarcal, sem fundamento histórico algum, sem sociogênese nenhuma, sem organização econômica, sem produção, sem data, sem início, sem meio e sem fim - ou seja, sem materialidade alguma, como tudo que o discurso liberal inventa sobre a realidade - o CISTEMA, que, na verdade, seria um sistema patriarcal organizado não na opressão pelo sexo, mas na opressão pelo gênero, só que na real é um sistema que não existe, que não tem materialidade alguma no real. E esse é, então, um sistema patriarcal em que nem sempre o sexo masculino é o sexo privilegiado, um sistema patriarcal em que nem sempre o sexo feminino é o sexo oprimido e explorado na economia patriarcal, um sistema patriarcal em que o sexo feminino pode dominar e oprimir o sexo masculino, dependendo dos gêneros com que esses sexos tenham escolhido se identificar. Assim, anulada a questão sexual, e pretensamente [re]fundada (sem materialidade alguma, mas apenas na ordem do discurso, repito) a organização e a economia patriarcal não mais na hierarquia sexual, mas na questão do "gênero", o sexo masculino, agora também oprimido e explorado pelo gênero no patriarcado, passa a ser, obrigatoriamente, ele, pauta central do movimento que combate o patriarcado, o movimento feminista. Enquanto as mulheres que insistem em dizer que um movimento feminista que se ocupa do sexo masculino, o sexo que mantém a posição superior num sistema organizado pela hierarquia sexual e que autoriza a exploração do sexo feminino, é um movimento corrompido pelo sexo masculino, um movimento colonizado, um movimento falocentrado, precisam ser banidas e excluídas com urgência desse movimento feminista.

Pronto. A hierarquia sexual acabou, foi superada, ficou pra trás, findou-se. O sexo masculino está no centro do movimento de mulheres (na militância, nos espaços acadêmicos, nos livros, no pensamento das mulheres), e cada vez mais presente e potente, afirmando, legislando, dominando espaços, criando discursos e teorias, criando linguagem, pensamento, consciência, definindo a condição da mulher, do sexo feminino - de dentro do movimento em que mulheres acreditam firmemente ser o espaço de autonomia de ação e pensamento das mulheres, em que elas têm a certeza de estarem pensando autonomamente, sem a interferência dos homens, logo, o espaço onde tudo que é produzido precisa ser reconhecido e legitimado como uma produção livre de homens, uma produção de mulheres, olha o perigo! É neste espaço, o espaço da autonomia das mulheres, que o sexo masculino está ditando as pautas feministas como se fossem pautas das mulheres: que o sexo não importa, que a hierarquia sexual é um delírio radical, que os processos de dominação e opressão no patriarcado, agora, se dão pelo "gênero", que a questão sexual, e tudo que diz respeito a ela, é "biologizante", e que a biologia é condenável (mas somente a feminina, porque muito embora assuntos relativos às nossas vaginas e úteros sejam apontados como desimportantes, ultrapassados ou ofensivos, os assuntos referentes aos pênis deles tem lugar central no feminismo, já que do discurso sobre seus pênis - reconhecê-los, aceitá-los, mantê-los ou retirá-los em cirurgias - depende o próprio reconhecimento deles como "mulheres" e a maior parte de suas pautas), assim como tudo que diz respeito a ela, e deve ser silenciado, e não deve, sequer, ser mencionado, porque ofende as "trans". Assim, segundo a lógica masculina e falocentrada dos movimentos queer e transativista, e deles dentro do próprio feminismo, todos os fenômenos e processos mantidos pela hierarquia sexual que organiza o patriarcado e toda sua economia (o sexo masculino historicamente na posição superior e o sexo feminismo historicamente na posição inferior dentro de um sistema milenar de dominação e exploração), acabaram, ou foram superados como estruturas sociais patriarcais: não existe mais a exploração/violência sexual do sexo masculino contra o feminino como estruturas patriarcais e como atividades de exploração e manutenção da economia patriarcal, mas senão como violências circunstanciais de um "gênero" sobre outro; não existe mais a opressão do sexo masculino contra o sexo feminino, não existe mais hierarquia sexual. É por isso, portanto, que dentro do discurso liberal pós-moderno do queer e da transgeneridade, a prostituição e a pornografia, assim como qualquer outra instituição ou forma de economia patriarcais, podem ser compreendidas não mais como estruturantes da dominação do sexo masculino sobre o feminino, mas como liberdade e empoderamento, como escolha e opção individual, em vez de uma engrenagem de exploração do sexo feminino numa sociedade organizada pela hierarquia sexual com uma economia baseada na exploração do sexo inferior, o sexo das mulheres. 

E é assim, apagando a hierarquia sexual e a exploração fundamental do sexo feminino pelo sexo masculino como estruturantes da sociedade patriarcal (a nossa sociedade), e colocando o "gênero", esvaziado de todo sentido e de qualquer relação com a hierarquia sexual, como o cerne e fundamento da exploração e da economia patriarcal, eles apagam, também, todo nosso conhecimento e nossa consciência sobre a origem da exploração das mulheres, da exploração do nosso sexo, o sexo feminino. O que permite a eles, mais uma vez (porque, historicamente, é tudo que eles tem feito a cada vez que nós desvelamos suas linguagem e práticas patriarcais de dominação do sexo feminino) nos definir, definir o que é ser mulher, definir a nossa condição, pela perspectiva masculina, do que eles acham que deve ser uma mulher - o poder de dizer o que somos e o que não somos continua nas mãos deles porque, agora, a partir destes apagamentos e destas ressignificações, qualquer violência que o sexo masculino cometer contra o sexo feminino continuará sendo perdoada, relativizada e até mesmo celebrada - quando convertida em "reação do oprimido" - se a pessoa do sexo masculino disser que é uma mulher, porque a hierarquia sexual não existe mais e o fundamento da opressão passa a se dar pelo "gênero" - e gênero cada um escolhe o seu*.

Chagará o tempo (já chegamos?) que bastará que um homem se diga uma mulher pra que seja autorizada a ele todo tipo de violência contra mulheres: coações, insultos, ofensas, perseguições, ameaças, agressões, estupros; bastará que ele diga que quando essa mulher nomeia o sexo dele como o sexo masculino e nomeia a todas essas violências como violências do sexo masculino contra o sexo feminino que isso o ofende, e que essa mulher está o violentando e negando sua humanidade, e que é por isso que ele a ameaça e agride; bastará isso para que todos apoiem a violência do sexo masculino contra o sexo feminino e para que se voltem contra as mulheres, já tantas vezes agredidas e violadas pela violência masculina e nos acusem de não sabermos reconhecer a violência masculina, pois que não se trata, mais, essa violência que nos atinge, da violência perpetrada contra nós por homens, nem se trata, ali, de um homem e nem do sexo masculino; bastará isso para que acusem a gente, enfim, de ter poder dentro do patriarcado pra oprimir os homens, pois que a opressão, não mais fundada na hierarquia sexual, agora se dá por gênero, e esse homem é oprimido por mulheres, portanto, por causa de seu "gênero feminino". (Tomar no cu, né? Me desculpem.)

O sexo feminino oprimindo o sexo masculino num sistema que se fundamenta e se mantém pela opressão e exploração do sexo feminino pelo sexo masculino. O patriarcado acabou e a gente nem viu? Ou estamos sendo feitas de trouxas?

Acordem do transe.



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*Embora as pessoas que continuem sendo mais reconhecidas e respeitadas na sua escolha pelos estereótipos de gênero que decidem adotar continuem sendo as pessoas do sexo masculino e às pessoas do sexo feminino faça muita pouca diferença os estereótipos de gênero com que escolhem se identificar, pois continuarão recebendo o tratamento patriarcal destinado ao sexo feminino: o sexo, o corpo e a biologia moralmente e socialmente autorizados à demonização, ao interdito, à exploração, à violação e ao estupro; o sexo ao qual a reprodução é imposta, é obrigatória, é compulsória, é um processo significado a partir do sentido de obrigação e dever moral e laboral das mulheres para com os homens,  imposta através do estupro como um castigo por ser a mulher o sexo que é; o sexo para quem, por fim, o aborto será negado a fim de que o sexo feminino carregue pra sempre a maternidade como castigo e maldição por ser ela o sexo que é, e, ao mesmo tempo, como [pseudo] redenção por ter cumprido o dever moral de sua sujeição ao sexo masculino, aquele que lhe invade e, gozando o prazer de sua servidão moral e sexual, a fecunda, servindo-se de seu sexo ao mesmo tempo como objeto de prazer, depositório de esperma e incubadeira de seus herdeiros. Não importa com que estereótipos de gênero uma pessoa do sexo feminino decida se identificar ou não, quando ela for identificada como uma pessoa do sexo feminino ela será tratada como uma mulher do patriarcado, independente de como ela deseja se identificar, porque a condição material da mulher no patriarcado é imposta sempre pela violência ao sexo feminino, isso não é uma questão de identificação - nenhuma mulher, nunca, jamais, escolheu ou decidiu se identificar com isso, com  violência que lhe é imposta cada vez que é reconhecida como uma mulher, cada vez que é reconhecida como o sexo violável e explorável na hierarquia sexual.



sexta-feira, 9 de junho de 2017

MULHERES DE BARBA: UMA HISTÓRIA DE BELEZA, RESISTÊNCIA E TRADIÇÃO FEMININA

Mulheres têm barba. Mulheres sempre tiveram barba. Desde que o mundo é mundo, EXISTEM MULHERES QUE TÊM BARBA.

Madame Clémentine Delait, 1865-1939. Mulher barbada, proprietária de um Café em Lorraine, na França.



Fêmeas humanas adultas têm pelos. É normal mulheres terem pelos no rosto, muitas mulheres têm pelos no rosto. É mais normal do que se imagina e nós, mulheres, sabemos muito bem disso (muito provavelmente os homens que convivem com mulheres também). Nossas mães, tias, irmãs, primas, amigas, colegas de trabalho, muitas delas, a gente sabe, têm pelos no rosto. Mas numa cultura que precisa destruir nossas autoestimas, nos negar nossa humanidade, modificar, alterar e destruir nossos traços naturais, nossos traços de humanidade, pra nos artificializar o máximo possível e facilitar a ampla aceitação de nossa objetificação, da objetificação de nossos corpos, nossas subjetividade e de nossa sexualidade para pô-las a serviço de homens; e, ainda, numa cultura pedófila que procura negar nossas características de mulheres adultas, capazes de autonomia, para impor nossa artificialização e infantilização e debilitação física e intelectual, para nos assemelhar a crianças e converter nossa aparência e nossa existência de humanas adultas num produto artificializado e infantil, um objeto com aparência frágil e vulnerável, de fácil dominação, nós, mulheres somos constantemente obrigadas a esconder ou aniquilar as características evidentes de nossa humanidade: nossas capacidades intelectuais, nossa inteligência, nossa força física, nossos odores, nossa menstruação, assim como nossos pelos, no corpo e no rosto. Somos ensinadas que a inteligência débil e pueril exerce um grande poder sobre os homens, que a nossa fragilidade e vulnerabilidade física é na verdade, a nossa força sobre eles, que objetificar e artificializar nossos corpos nos torna poderosas diante de nossa mais importante empreitada: conquistar um macho. Nossas características naturais, que denunciam nossa humanidade, devem ser, então, negadas e extirpadas, devemos ter horror a elas, ao cheiro de nossas vaginas, à nossa menstruação, a nossos pelos, devemos viver na angústia diária de odiá-los, de lavar nossas vaginas com produtos abrasivos, de esconder rigorosamente nossa menstruação, de ter vergonha e constrangimento de saber que os pelos estão nascendo, de tentar escondê-los das pessoas, de evitar o contato, a amizade, a diversão, o prazer, quando não conseguirmos nos livrar deles, quando não conseguimos aniquilar a nossa própria humanidade.

Uma imensa, enorme, gigantesca quantidade de mulheres têm pelos no rosto, no mundo todo, uma enorme quantidade de mulheres têm pelos no rosto. Mas a gente se empenha tanto, e tão desesperadamente, a escondê-los, que as pessoas acham estranho quando percebem que uma mulher tem barba e bigode. Mulheres de barba e bigode é normal, é comum, é mais corriqueiro do que se imagina. Eu e você, minha amiga que tá me lendo, sabemos disso. Mas todo mundo finge ignorar pra poder nos torturar. Mulher com barba e bigode não é incomum, não é estranho, não é bizarro, É NORMAL. Mulheres adultas menstruam. Mulheres adultas tem odor característico na vagina. Mulheres adultas têm pelo. E muitas mulheres adultas têm barba e bigode.




Vejam o tanto de notícias apontando o quão corriqueira e comum é a condição natural dos pelos nos rostos femininos, mas percebam, no entanto, como podem ser perversas as realidades dessas mulheres e as abordagens da mídia sobre o assunto:

“Deixar a barba crescer me tornou mais confiante. Me sinto muito bem com a minha barba, como eu eu nunca me senti antes. É uma sensação incrível”, disse Rose, que há oito meses deixou de se barbear. Segundo ela, os pelos atrapalharam a vida social. Ela nunca pôde, por exemplo, dormir na casa de amigas porque precisava acordar cedo para fazer a barba." Leia aqui.

“Eu me lembro de sentar na minha cama e pensar sobre como tirar minha própria vida. Mas em vez disso, eu senti lá e comecei a me encorajar. Eu disse para mim mesma: ‘A energia que você está gastando em tentar terminar a sua vida, use-a para virar sua vida do avesso e fazer algo melhor.‘”, afirma Harnaam, que decidiu manter a barba e lutar contra todas as expectativas sociais de como uma mulher deve ser." Leia aqui.

"Ela, que já se barbeava desde os 7 anos, deixou crescer após alguns anos. Wheeler utiliza o nome de Melinda Maxie para se apresentar em shows de horror ao redor do país. Ela contou que geralmente amarra a barba, para que ela não a atrapalhe nas tarefas do dia a dia." Leia aqui.

"Bearded Lady, de 29 anos, tem mais de 29 cm de cabelos na face. Ela comenta que adora cuidar de sua barba, apesar de aproveitar seus momentos de folga para cuidar de suas cobras de estimação ou “assustar a população” por conta de sua aparência incomum." Leia aqui.

"Geisy Arruda aparece com pelos crescendo no rosto e diz: "Sou bastante cabeluda"" - Leia aqui.

"Há mais ou menos dois anos, estava de bobeira no Facebook quando vi uma postagem que me chamou a atenção. Era sobre mulheres que depilam os pelos do rosto com lâmina de barbear! Fiquei muito curiosa e fui atrás de mais informações. Entrei em sites e cacei tutoriais no YouTube. Encontrei inúmeros relatos de blogueiras americanas que aderiram à técnica, todas elogiando e recomendando raspar a barba" - Leia aqui.

"Kate Winslet não se preocupou tanto com o visual na première da série "Mildred Pierce" que aconteceu nesta segunda, 21, em Nova York. Apesar do lindo vestido que usava, a atriz apareceu no evento cheia de pelos no rosto. Que isso, Kate!Esqueceu de marcar a depilação facial ?" Leia o chorume na integra.

"Pelo no rosto é uma coisa que incomoda e muito as mulheres. E, até celebridades, como a cantora Beyoncé e a atriz Kate Winslet já foram flagradas com o temido “bigodinho”. Veja que já pagou mico com a depilação por fazer e qual a melhor forma de acabar com os pelos indesejados." Leia o chorume na íntegra.

"O tema é tão delicado que a maioria das mulheres que, em vez de se depilar, raspa com lâmina os pelos da face dificilmente assume isso. No site norte-americano de moda e beleza Pop Sugar, a blogueira Kirbie Johnson se apresenta falando justamente sobre isso. “Não acredito que estou colocando isso na internet”, ela se questiona logo na primeira frase do texto." Muitas mulheres raspam os pelos do rosto, leia aqui.

Mulheres barbadas rompendo os estereótipos de gênero muito antes de Conchita Wurst, Liniker ou de qualquer outro macho de batom e saia! Mulheres barbadas existem e resistem! Respeitem nossas barbas! 


Wilgefortis é uma lendária santa presente no imaginário popular religioso  cristão desde o século XIV e cuja principal característica era a sua enorme barba. Foi uma das únicas 3 mulheres a serem crucificadas pela Igreja Católica, que não admitia a crucificação de mulheres. Até 1969 o dia de sua celebração era 20 de julho, mas foi retirada da lista de santos por ser considerada apenas um culto popular. Sua imagem está na igreja de Saint-Etienne, em Beauvais, na França.

Madame Josephine Clofullia, Suiça, 1827-1875. Em 1853 foi levada ao tribunal, teve sua vida e seu corpo fustigados e examinados, acusada de ser um homem e um impostor.

Harnaam Kaur é uma jovem inglesa sikh (o sikhismo, ou siquismo, é uma religião monoteísta originada por volta do século XV na região que corresponde ao território entre o Paquistão e a Índia) de 24 anos, portadora da síndrome dos ovários policísticos, que atualmente é conhecida no mundo todo por questionar os estereótipos de beleza feminina ao assumir os pelos de seu rosto. 

Para saber um pouco mais sobre a história das mulheres de barba no mundo, clica aqui (em inglês).

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Esse texto vai dedicado a minha amiga e companheira de luta e trabalho, Amanda Lopes, que tão corajosamente me inspira em tantos aspectos. Amanda, você é linda! ❤

segunda-feira, 5 de junho de 2017

EM NOSSA SOCIEDADE, A VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NÃO TEM SUJEITO

Ou: Como as campanhas em prol do combate à violência contra as mulheres apenas escamoteiam, reiteram e reafirmam toda estrutura machista de nossa sociedade e a própria violência contra nós, as mulheres.



As mulheres têm sido vítima de violência. Quem é o sujeito dessa violência?

Mais uma vez, e como sempre, a responsabilidade recai sobre nós. A culpa é nossa.

A quem serve sugerir (ainda que sutilmente ou através de discursos velados) que a culpa da violência contra nós é nossa? Que a responsabilidade é nossa, que somos cúmplices ou que somos nós o centro do qual se irradia esse problema? A quem isso protege? Que dado importante está sendo apagado nessa questão? Por que esse apagamento? Quem é sempre protegido e resguardado pelas leis e instituições de nossa sociedade machista e misógina e mesmo nas campanhas de denúncia à violência contra mulheres? Quem? Adivinhe!


“As mulheres morrem”. E quem é o sujeito da ação que atenta contra a vida das mulheres? Por que a imagem das mulheres está sempre no centro das campanhas? Por que somos retratadas sempre fragilizadas, acuadas, inertes, apavoradas? Quem promove essa violência? Basta pra quem?

Numa sociedade em que homens, brancos, heterossexuais estão no topo da cadeia econômica, da política, das organizações e das instituições culturais, materiais e simbólicas dessa sociedade, é comum que as campanhas contra a violência perpetradas pela sociedade através desse sujeito homem, branco, heterossexual, sofram todo tipo de eufemismo e amenização, para que as agressões permaneçam o mais que possível no campo da abstração e os agressores não sejam identificados como aqueles que promovem essa violência e não se tornem, então, parte efetivamente combatida pelos grupos/identidades vitimados.


Quem bate? Quem mata? Por que nunca é dito?

Analisando campanhas de denúncia à violência contra mulheres, é possível perceber como a imagem destacada nessas campanhas é sempre a imagem feminina, o que, como sempre, nos expõe, a nós, mulheres, nos colocando, sutilmente, no centro da temática, basicamente como sujeitas de nossas próprias agressões, que aparecem nos textos das denúncias e seus slogans sem sujeito, implicando na correlação entre a exposição de nossas imagens, com a atividade denunciada.


A “violência”. Vamos combater uma abstração? Dizer “não” a quem?

Em quase nenhuma campanha, cartaz, meme ou slogan pude observar a denúncia da violência contra as mulheres creditadas a um homem. As frases geralmente estão em sua forma passiva e nunca em forma ativa, desvencilhando, assim, a ideia de que a violência contra as mulheres é cometida por homens e, volto a repetir, deixando a sugestão implícita de que somos nós, mulheres violentadas, o cerne e o verdadeiro problema de uma sociedade em que mulheres são violentadas e mortas, assim, como uma coisa acidental, como uma abstração, sem que isso tenha um sujeito de ação determinado – no caso, é óbvio, o homem.

Os textos e chamadas, no geral, aparecem assim:

“Cerca de x mulheres sofrem violência sexual no Brasil”
“Uma em cada x mulheres já foi vítima de violência”
“Estudo revela que x mulheres morrem por dia no Brasil”
“O índice de mulheres mortas no Brasil é de x%”

E por que não assim?

“Cerca de x mulheres são agredidas por homens no Brasil”
“Uma em cada x mulheres já sofreu algum tipo de violência masculina
“Estudo revela que x mulheres são assassinadas por homens no Brasil”
“O índice de mulheres assassinadas por homens no Brasil é de x%.”

Ou, ainda, assim:

“Cerca de x homens cometem violência contra as mulheres no Brasil”
“Um em cada x homens já cometeu algum tipo de violência contra mulher”
“Estudo revela que x homens assassinam mulheres por dia no Brasil”
“Os homens são responsáveis por x% de mortes de mulheres no Brasil”


A mulher sempre no cerne da questão – e sempre machucada, amedrontada, acuada, passiva – do jeito que o patriarcado gosta. Já imagem do homem quase nunca aparece.


A mulher, mais uma vez: nua, fragilizada, vulnerável, aterrorizada, inerte, no centro da campanha. O homem, violador, agressor, nunca se vê, senão em pequenas partes desmembradas, estratégia de desvio de foco de imagem e de desumanização da figura masculina.


Desmembrado, desumanizado, figura irreconhecível, não é o homem, deixa de sê-lo. Esse é o agressor: não sendo sujeito, torna a violência contra a mulher uma abstração.

Não é preciso ser nenhum especialista em semiótica e análise de discurso e nem em propaganda e marketing pra entender algumas formas que certos discursos assumem em relação à cultura que os engendra e a seus interlocutores e o seu porquê, ou seja, por que alguns slogans são escritos desta ou daquela maneira e não de outra. E nem sobre a relação fundamental entre o discurso e a imagem e sobre como a forma que se estabelece essa relação é fundamental e decisiva em campanhas publicitárias. Porque também nas imagens das campanhas a figura masculina é omitida ou desfocada ou aparece de forma positivada, defendendo bondosamente o fim da violência contra nós. Entretanto, em raras campanhas/imagens é possível observar o homem, a figura masculina, apontado e evidenciado claramente como violador, agressor ou assassino de mulheres.

Vejam, são as mulheres que sofrem, são as mulheres que são vítimas, são as mulheres que morrem. Não há agressor, não há algoz, não há assassino: as mulheres é que estão no centro da ação. Desta forma, são as mulheres que são colocadas no centro da temática e no centro dessas chamadas, logo, como cerne do problema, o que induz facilmente – numa sociedade machista e misógina como a nossa, e cuja cultura do estupro cresce cada vez mais, culpabilizando as mulheres pela violência que sofrem – a se pensar que, se as mulheres deixarem de sofrer essas violências, o problema estaria resolvido – assim mesmo: se elas forem capaz de deixar que isso aconteça, já que está e nós a centralidade da abordagem sobre a violência. Mas como nós poderíamos deixar de sofrer com esse problema em que somos a figura central apontada em relação a ele? Neste caso, como o cerne do problema está sendo associado à figura feminina, porque a masculina é apagada e invisibilizada em relação ao processo de violência, o que se pode esperar que aconteça para que mulheres deixem de sofrer mais violência? Que os homens deixem de violentar? Como seria possível esperar isso se os homens não são nunca nomeados como agentes dessa violência? O que se espera é que aquela que é a sujeita passiva da violência, cesse de ser, ou seja, que ela não seja mais aquela que “sofre” a violência. E, pra isso, nossa sociedade já cultiva, há séculos, as instruções pra que nós, mulheres, solucionemos esse problema, pra não sejamos mais aquelas que “sofrem” a violência – assim mesmo, dessa forma, sem sujeito violador, sem agressor, como um acidente, dessa forma abstrata – o que a mulher deve fazer é o que todos já sabemos: não sair de casa em horários “perigosos”, não desagradar ou provocar os homens, andar nos vagões de trem/metro e outros espaços designados somente a elas, não se embriagar, não dançar sensualmente, se vestir decentemente, enfim, se comportar conforme a sociedade espera que se comporte uma mulher “de verdade”, uma mulher “honesta”, uma mulher “que se dá o respeito”.



A mulher que disfarça (ou omite) a violência cometida contra si mesma torna-se cúmplice de seu agressor. Tá pasma? Eu também.

Além disso, ou, ainda, como desdobramento disso (de campanhas que visam denunciar, mas que, como cão correndo atrás do próprio rabo, não conseguem romper com a cultura que as engendram e com o ciclo que culpabiliza a mulher), é possível perceber, ainda, a responsabilização e a condenação de mulheres que “disfarçam” a violência e/ou “silenciam” sobre ela, como se as mulheres assim o fizessem por desejar e não por medo, coação ou fragilidade emocional e/ou financeira frente a seus agressores, o que, mais uma vez, corrobora e reafirma mais os mitos machistas e misóginos que estão por trás dessas campanhas – nesse caso, em específico, a sugestão de que haveriam mulheres que “gostam de apanhar”, ou que são “cúmplices” da violência que sofrem, justamente essas que “disfarçam” as agressões ou que “escolhem” o silêncio. Ou seja: mais uma vez, a mulher está no centro da questão e é a culpada por sua agressão.

Mais culpabilização da vítima. “A solução passa por si.” Ou seja, a violência não tem um sujeito, ele não aparece, é impossível identificá-lo ou, sequer, associá-lo, nessas campanhas, à figura masculina, mas cabe à mulher agredida, muitas vezes sem coragem ou forças, a solução do problema.

Pra corroborar ainda mais com essa ideia velada de que a violência contra as mulheres não tem um sujeito, pra proteger o homem, pra não denunciá-lo e não colocar em evidência o sujeito homem como agente e perpetuador dessa cultura nojenta e nefasta, que estupra, viola, mutila e mata as mulheres, observem, ainda, como, ao mostrar os homens – que já não são apontados como agressores – as campanhas os retratam de forma positiva, como “colaboradores” das mulheres, evidenciam os homens de forma bacana, generosa e simpática como aqueles que, não sendo agentes da agressão, são justamente as figuras boas e cheias de empatia que vão “ajudar” as mulheres a combater a violência. Há pouquíssimos registros em campanhas de combate à violência contra mulheres que mostrem os homens como canalhas, agressores, estupradores, assassinos, mas não faltam imagens que os mostre como os empáticos, bondosos e seres cheio de humanidade que vão ajudar nesse combate.


Quando a figura do homem pode ser identificada com uma imagem claramente masculina? Quando é mostrada em apoio às campanhas.

É preciso urgentemente acusar, apontar os homens como causadores da violência contra as mulheres. Os homens não são os redentores dessa causa, como nos induz a crer essas campanhas construídas dentro da lógica machista vigente na nossa sociedade. É preciso tirar a mulher do lugar central dessas agressões e destiná-lo ao homem. A agressão tem um sujeito, e ele é masculino. É claro que é importante convocar os homens ao combate da violência contra as mulheres, mas, enquanto não for dito a eles, não for apontado, não for evidenciado objetiva e diretamente, que também TODOS ELES são parte ativa e culpada nessas agressões – TODOS! – quando agridem suas companheiras, suas irmãs, suas mães, suas colegas e quando perpetuam o machismo de diversas outras formas (“piadinhas” machistas, xingamentos machistas, controle e condenação da sexualidade feminina etc), enquanto isso for silenciado e escamoteado, enquanto os homens e o gênero masculino forem poupados e as mulheres continuarem a ser colocadas no centro dessas ações agressivas, essa cultura machista não será desconstruída.


Esse é o homem que pode ser claramente identificado nas campanhas sobre a violência contra às mulheres. O homem não agride, não espanca, não tortura, não mata. Ao contrário, vejam só, ele contribui na luta das mulheres.


QUEM AGRIDE, VIOLENTA, ESTUPRA E MATA AS MULHERES SÃO OS HOMENS. Não são as crianças, não são os idosos, não são outras espécies de animais, não são ETs, não são pessoas ao acaso: SÃO OS HOMENS! Nossos parceiros sexuais, nossos amigos, nossos amantes, namorados, maridos, nossos familiares, os colegas de profissão, de classe ou mesmo desconhecidos, mas HOMENS.


Das poucas imagens que pude encontrar em que o agente da agressão aparece claramente identificado como um HOMEM.


Outra forma de abordagem: a mulher não aparece desfigurada, nem aterrorizada e nem inerte, ela não ocupa o centro da mensagem visual e o texto, no lugar central da denúncia, credita ao homem, sujeito da ação, a agressão cometida.



É preciso dizer isso urgentemente! É preciso dizer isso abertamente! Para que se possa criar, de verdade, uma frente de combate não apenas à violência, mas, também, a seus agentes, aos agressores, ou seja, os homens. Enquanto a violência contra nós for mostrada somente como uma abstração ou uma ação sem sujeito, continuaremos sendo espancadas, estupradas, mutiladas e assassinadas bem debaixo de campanhas publicitárias bonitas e bem executadas, de banners, cartazes, outdoors e anúncios bonitos, requintados e bem pagos, produzidos por agências de propaganda e seus publicitários (majoritariamente homens, e, em muitos poucos casos, mulheres combatentes e/ou feministas, estamos certas disso).

Sigamos, mulheres, à luta! Sigamos combatendo e cortando as picas!

Com amor e facadas,

Ana.

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Esse texto foi publicado originalmente pelo coletivo de mídia Das Lutas em setembro de 2014 e merecia uma revisão, mas eu tô com preguiça de fazer. :)

domingo, 4 de junho de 2017

A PROSTITUIÇÃO E A ECONOMIA PATRIARCAL

Essa semana, a Mídia Ninja, o veículo da esquerda misógina, já bastante conhecida por acolher agressores, abusadores e apologistas do estupro, da pedofilia e da prostituição, lançou um vídeo com uma mina e dois famosos travestis - um conhecido cafetão do Rio e outro que afirma se prostituir por hobby/militância - em defesa da prostituição. No vídeo, além de romantizarem e glamurizarem uma atividade que, milenarmente, destrói, viola, encerra a vida de centena de milhares de meninas e mulheres no mundo todo, ainda fazem apologia à pedofilia, banalizando o incesto pedofílico e confirmando a tese de que na nossa sociedade, a cultura do estupro anda de mãos dadas com a cultura da pedofilia, de que a prostituição e a pedofilia se retroalimentam, necessitam uma da outra, pois que essa relação mantém a base de exploração das mulheres no patriarcado. Vejam o vídeo (apologia à pedofilia aproximadamente no minuto '5):

"ele vai te contar no telefone: eu tô aqui com a calcinha da minha filha e eu gostaria que vc vestisse pra gente transar eu fingindo que vc é a minha filha, pode ser?" - Entre risos e piadas, a pedofilia incestuosa é NATURALIZADA à serviço da prostituição por pessoas do SEXO MASCULINO que se dizem mulheres e porta-voz do feminismo.


  


Então, vamos colocar a questão de maneira um pouquinho mais profunda do que o debate patriarcal e liberal, pautado em experiências individuais e nas afirmações daqueles e daquelas que, em situação de privilégio econômico, social e/ou sexual, afirmam experimentar a prostituição como "escolha" e "empoderamento" (a sua grande maioria pessoas do sexo masculino e um pequeno contingente  mulheres que apropriaram das vozes daquela imensa maioria cuja a prostituição é a única forma de subsistência) e que berram que prostituição é libertadora e empoderadora a partir de suas próprias experiências, ignorando a imensa maioria das mulheres que denunciam o que o prostituição realmente é e qual o fundamento de suas relações com o patriarcado. Então, pra vocês que acreditam que prostituição é escolha, liberdade, empoderamento:

A prostituição (como instituição política e como atividade de rotina das mulheres prostituídas) tem, no patriarcado, a mesma função que o exército de reserva de mão-de-obra no capitalismo: regular a economia* do sistema no qual estão inseridas - no caso do exército de reserva de mão-de-obra a regulação da economia capitalista, no caso da prostituição a regulação da economia patriarcal. A prostituição é o exército de reserva do patriarcado e existe pra regular a economia patriarcal. 

Para que homens mantenham o controle sobre os corpos, o sexo, as capacidades reprodutivas e as subjetividades das mulheres, assim como sobre a dominação, a exploração, o poder e o lucro que podem obter através da exploração das mulheres, é necessário que a mulher, enquanto coletividade, possa ser expropriada de tal forma pelo sistema patriarcal a ponto de que a mercantilização de seus corpos pelos homens seja sempre um horizonte, uma possibilidade de subsistência para qualquer mulher em condição de miséria. Para manter o patriarcado e a dominação do sexo masculino sobre o feminino, é fundamental que a prostituição, a mercantilização de nossos corpos, seja, sempre, uma possibilidade pras mulheres que historicamente vêm sendo expropriadas pelos homens; ou seja: a prostituição, enquanto instituição política patriarcal, se constitui, então, como uma condição fundamental de poder e controle para a existência e para sobrevivência das mulheres num sistema de dominação que as ameaças e explora. É preciso que haja, sempre, um contingente de mulheres miserabilizadas e expropriadas de seus corpos e seu trabalho, de sua capacidade de subsistência, a quem só restará o próprio sexo como moeda de troca pra sobreviver, para regular toda a economia patriarcal de controle, dominação e exploração de mulheres em outras instâncias políticas e sociais. É preciso que exista sempre essa instituição (a prostituição, a venda do próprio corpo, do próprio o sexo como última possibilidade de subsistir) para que a condição feminina no patriarcado seja sempre uma condição controlada pelo poder masculino e, às mulheres, reste somente a submissão como meio de sobreviver: a submissão ao casamento, a violência doméstica, aos baixos salários, ao assédio sexual no trabalho, à servidão doméstica e sexual como alternativa à miséria última de converterem sua humanidade em mercadoria para a prostituição... Assim os homens seguem impondo e regulando a economia patriarcal e mantendo o seu sistema de dominação sobre o sexo feminino.

A prostituição é, portanto, uma atividade fundamental da economia patriarcal, pois regula as relações de mercado, de objetificação e mercantilização das mulheres, a organização social e de subsistência no patriarcado. Essa é a função da prostituição no patriarcado, pra isso foi criada e por existe e persiste a diferentes épocas e diferentes manifestações dos códigos culturais de diferentes sociedades patriarcais. E não existe prostituição libertadora e nem empoderadora porque uma instituição não pode ser nunca, ao mesmo tempo, mantenedora e revolucionária do sistema de opressão no qual está engendrada.

A servidão das mulheres mantém a prostituição e é mantida por ela, assim como a prostituição mantém o patriarcado e é mantida por ele, numa relação circular que mantém seu caráter mais fundamental, mesmo que os discursos liberais masculinistas insistam em esconder esses fundamentos e apontar a prostituição  como possibilidade de empoderamento e de libertação de mulheres. Por isso os homens - os da esquerda e da direita, os que se sentem homens e os que juram que se sentem mulheres - a defendem veementemente, e colocam, sem pudores, a seu serviço os corpos das mulheres e das crianças, fazem isso porque o patriarcado socializa o sexo masculino pra misoginia, pro falocentrismo, pra defender os interesses da classe masculina sobre a classe feminina, os interesses coletivos que mantém a supremacia do sexo masculino sobre o sexo feminino, pra banalizar e romantizar a miséria das mulheres e nos convencer que a nossa miséria, nossa objetificação e exploração é, na verdade, nosso poder sobre homens, é nossa libertação. Não acreditem em homens, não acreditem nas ideias que dizem defender em nosso favor, não acreditem na defesa coletiva de homens sobre nossos interesses, porque todas as pessoas do sexo masculino recebem a socialização falocentrada e misógina, pra objetificar e explorar o sexo feminino em benefício próprio, independente de como elas queiram se identificar, do pronome que queiram ser tratadas ou da roupa que escolham vestir. Observem o discurso masculinista, observem a violência masculina, eles seguem um padrão que nós, mulheres, conseguimos identificar porque estamos desde a infância submetidas a essa violência. Fiquem atentas.

Amara Moira é um travesti ativista pró-prostituição, que defende que a atividade é libertadora para o sexo feminino, historicamente, o sexo mutilado, explorado, estuprado, violado, pelo sistema patriarcal e pela atividade econômica patriarcal da prostituição. Amara Moira é quem, no vídeo apresentado nesse texto, faz apologia e naturaliza a pedofilia através da prostituição. Amara Moira é uma pessoa do sexo masculino, que, apesar de dizer que se sente como uma mulher, nunca experimentou de fato, como imposição, a realidade material destinada pelo patriarcado às pessoas nascidas no sexo feminino.

“A transgressão é um deleite dos poderosos, que podem se imaginar deliciosamente desobedientes. Ela depende da manutenção da moral convencional. Não haveria nada para ofender e a deliciosa desobediência desapareceria se uma mudança social séria acontecesse. Os transgressores e os moralistas dependem mutuamente uns dos outros, em uma relação binária que derrota ao invés de permitir mudança. Além disso, a transgressão depende da existência de subordinados sobre os quais a transgressão sexual pode ser dramatizada. Não é uma estratégia viável para a dona de casa, a mulher prostituída ou para a criança violentada. Estes são objetos da transgressão, não seus sujeitos”. (Sheila Jeffreys em: "Unpacking Queer Politics")

*Estou usando "economia" não somente em seu sentido de Ciência e disciplina acadêmica, mas no sentido mais amplo, apontando como "economia" a maneira como cada sociedade se organiza para produzir, distribuir, acumular e consumir bens e riquezas materiais e imateriais, como utilizam os recursos humanos, materiais e simbólicos para produção de valor, de bens e de riquezas e de como é feita a distribuição destes entre seus indivíduos.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

A FUNÇÃO PEDAGÓGICA DA PEDOFILIA E DO INCESTO

As políticas - campanhas, propagandas, programas sociais e etc - de "combate" à pedofilia e ao incesto efetivamente não passam de PRÁTICAS DE FACHADA, uma estratégia política e deliberada, planejada e executada dentro dos espaços midiáticos e das instituições jurídicas e políticas por aqueles mesmos que lucram e mantém o seu poder pela exploração sexual de mulheres e meninas e apenas para acalmar momentaneamente os ânimos de vítimas, sobreviventes e daqueles que ousam gritar contra essas violências. Não houve, nos últimos anos (quiçá nos últimos séculos), nenhuma redução efetiva de violência e, objetivamente, de violência sexual contra mulheres e meninas. Há décadas governos, ONGs e instituições de Direitos Humanos vêm articulando e desenvolvendo - na maioria das vezes pelas mesmas figuras masculinas políticas e midiáticas que praticam o incesto, a pedofilia e/ou se beneficiam escusamente da exploração sexual de mulheres e meninas - ações de fachada intituladas, em teses, como combatentes à violência sexual contra mulheres e meninas e a verdade é que, passadas décadas das denuncias feministas sobre essas violências e das benevolentes ações dos homens de poder e de suas instituições masculinas, as mulheres e crianças seguem sendo mortas, estupradas, sexualmente exploradas e traficadas em números que correspondem a genocídios e crimes de guerra, sem que haja qualquer redução real da violência contra nós resultante destes programas e ações de fachada.

A verdade é que a prática da pedofilia e do incesto são práticas não apenas PERMITIDAS, mas INCENTIVADAS e PROTEGIDAS pela sociedade patriarcal e por suas instituições, pois a pedofilia e o incesto são a forma mais fundamental de manutenção do poder patriarcal pela violenta socialização das meninas pela via do terror do estupro, é a primeira e principal forma de doutrinação dos corpos, dos sentidos, dos sentimentos e da subjetividade das mulheres, ainda na infância, para que compreendam, pelo pavor e pela coação masculina, logo na infância, o seu devido lugar na sociedade em relação aos homens. Nas sociedades patriarcais, as práticas de abusos e estupros incestuosos e pedofílicos têm uma FUNÇÃO PEDAGÓGICA: elas gravam de maneira indelével no corpo, na memória, na psiquê e na própria concepção da menina sobre si mesma o significado do que ela deve ser, o significado de ser uma mulher no patriarcado.

A pedofilia e o incesto são, portanto, não apenas costumes masculinos e/ou práticas circunstânciais violentas de alguns homens, mas são os alicerces mais profundos das estruturas patriarcais. A pedofilia e o incesto, como PRÁTICAS PEDAGÓGICAS de manutenção do patriarcado, dão significado e sentido ao mundo e a realidade e ao lugar de cada sexo - o sexo que viola e o que é passível de ser violado - da mulher e do homem, nesse mundo, reafirmando esses sentidos e esses lugares a cada vez que uma menina ou uma mulher é estuprada ou, ainda: a cada átimo de segundo que cada uma de nós teme de maneira constante a possibilidade de ser estuprada e expressa nossa existência do mundo a partir desse temor constante que nos constitui como mulheres e da expressão masculina no mundo a partir da glória viril de exercer coletiva e individualmente esse poder sobre nós.

Por isso, não existe emancipação feminina sem o combate ostensivo, violento e vigoroso a essas instituições. Um movimento feminista que não prioriza o combate à pedofilia, ao incesto, a violência sexual contra meninas está fadado ao ABSOLUTO FRACASSO.

"A garota teria sido acolhida em um abrigo, mas continuou recebendo visitas do pai. Ao ouvir que teria de voltar a viver com ele, teria fugido, mas acabou 'resgatada'. Como resultado da tentativa de escapar, a Justiça ainda teria imposto uma medida restritiva contra a mãe dela, que a teria ajudado na fuga." - Leia a matéria na íntegra aqui.


GÊNERO NÃO É SENTIMENTO, NÃO É DIVERSIDADE, GÊNERO É HIERARQUIA

A ideia de que o feminismo é um movimento que luta pela IGUALDADE DE GÊNEROS é uma ideia distorcida e implantada no feminismo pelos movimentos/teorias liberais, masculinas e falocentradas pra silenciar e apagar a realidade de que o feminismo se institui como movimento a partir da histórica DENUNCIA que faz de que o gênero é a própria desigualdade e que não poderia ser, portanto, nunca, uma igualdade.

O gênero não é natural, não é um sentimento, não é um estado de espírito, não é uma expressão de diversidade, gênero é um sistema de classificação cujo objetivo é manter a hierarquia sexual entre homens e mulheres.

NÃO EXISTE E NUNCA EXISTIRÁ IGUALDADE DE GÊNEROS, ISSO É UMA ESTRATÉGIA LIBERAL MASCULINA PRA MANTER A HIERARQUIA SEXUAL. A IGUALDADE ENTRE OS SEXOS, O FIM DO SEXISMO E A EMANCIPAÇÃO DO SEXO FEMININO SÓ PODERÁ ACONTECER COM O FIM DA CLASSIFICAÇÃO GENERISTA E DE TODAS AS SUAS INSTITUIÇÕES, COM A ABOLIÇÃO DO SISTEMA DE GÊNEROS.

Se liguem, mulheres. Estejam atentas aos ardis masculinos. Quem domina o discurso, trabalha nele a manutenção de seu poder. Estejam atentas aos sentidos e significados, aos FUNDAMENTOS que se escondem por baixo de práticas e discursos palatáveis sobre gênero e liberdade.


quinta-feira, 20 de abril de 2017

NOVAMENTE CENSURADA PELO FACEBOOK POR DENUNCIAR O TRANSATIVISMO POR VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES

Novamente fui bloqueada no Facebook por denunciar a violência transativista contra mulheres.  Não há xingamentos, palavrões, expressões chulas ou palavras de baixo calão, não há conteúdo sexualmente explícito ou violento no meu comentário, há, apenas, uma análise política sobre conquistas de direitos transexuais que são prejudiciais e configuram políticas de violência contra as mulheres, mas, mesmo assim, fiquei uma semana bloqueada por responder com esse comentário a uma afirmação de uma mulher que dizia que transexuais não possuem direitos e que a outra que afirmava que os direitos de transexuais não prejudicam as mulheres.

"Transexuais ja ganharam direito a cirurgia de mudança de sexo pelo sus (enquanto nós não conseguimos o direito a fazer abortos), vem ganhando o direito de serem alojados em penitenciárias femininas (onde podem estuprar e engravidar mulheres), ja ganharam o direito a competir em categorias femininas de esportes (em que tem um rendimento bem mais alto, ganhando vantagem nas contratações e prejudicando e/ou machucando mulheres), vem ganhando o direito de frequentar banheiros e vestiários femininos (o que coloca em risco a vida e integridade física de mulheres), o direito a ocupar a porcentagem destinada obrigatoriamente a mulheres nos partidos políticos (o que prejudica a visibilidade de nossas pautas e a construção de políticas públicas baseadas nelas), estão conquistando o direito de serem reconhecidos como "lesbicas", o que lhes permite acusar de transfobia e de ofensa a dignidade trans as lésbicas que se recusam a manter relações com o sexo masculino (justamente o que faz de uma mulher uma lésbica) e a coagir e pressionar através de acusações e agressões essas mulheres a ceder (o que configura estupro) . De onde as pessoas tiram que transexuais não tem direitos?"




Alguns links com material sobre as questões de "direitos" transexuais enquanto violência conta mulheres podem ser encontrados aqui. Leia e comprove.


quinta-feira, 13 de abril de 2017

O TRANSATIVISMO, O ESTUPRO CORRETIVO DE LÉSBICAS E A CENSURA TRANSATIVISTA NO FACEBOOK.

Tenho sido constantemente bloqueada no Facebook por denunciar o estupro corretivo de lésbicas promovido como pauta pelo transativismo. Os transativistas se organizam pra fazer denuncias em massa e o Facebook acata sem qualquer critério, meus textos que não contém nenhum tipo de palavra chula ou ofensas diretas às pessoas envolvidas com o transativismo, mas apenas um debate teórico-conceitual sobre as práticas violentas desse movimento contra as lésbicas. No último texto publicado, eu denunciei, de forma coerente e precisa, as estratégias epistemológicas para a necessidade do transativismo pautar o estupro corretivo de lésbicas como o último impedimento para a validação da identidade de gênero de pessoas do sexo masculino como mulheres. Segue o texto e a imagem da censura promovida pela rede social:

Vou explicar aqui rapidamente porque é pauta fundamental do transativismo o ESTUPRO CORRETIVO DE LÉSBICAS: Porque a simples existência de lésbicas, que são mulheres que amam e desejam mulheres, denuncia a estratégia patriarcal e a farsa transativista de ressignificação da ideia sobre o que é uma mulher. Lésbicas são mulheres que amam e desejam mulheres, então, pra validar a ideia delirante e colonizadora de que homens podem ser mulheres, é preciso romper com o que o transativismo chama de "última barreira" (já que eles já conseguiram colonizar o movimento feminista) para legitimar que a definição do que é uma mulher possa ser pautada por homens e seus desejos falocentrados através da ideia de que mulher pode ser qualquer pessoa que se identifique com o gênero feminino - a última barreira pra isso: as lésbicas. A recusa lésbica em aceitar pênis em suas relações (exatamente o que fundamenta uma relação lésbica) é uma recusa em aceitar a definição masculinista de que homens podem ser mulheres apenas pela imposição de sua ressignificação - sem materialidade alguma, com base unicamente na subjetividade masculina - do termo "mulher". Por isso eles precisam coagir lésbicas a aceitar pênis em suas relações, pra romper a "ultima barreira" que eles apontam como impeditiva para serem reconhecidos como mulheres. Por isso eles precisam que o estupro de lésbicas seja pauta do transativismo, porque estuprar lésbicas, coagindo-as a crer que não aceitar pênis em suas relações atenta contra a dignidade de pessoas trans e convencendo a sociedade que lésbicas permanecem lésbicas ao transar com pênis é o último passo para validar a existência deles como "mulheres". Logo, lésbicas devem ser estupradas pelos transgêneros porque isso valida a existência deles como mulheres. Logo, o transativismo precisa defender o estupro de lésbicas como pauta. Grosso modo é isso: se lésbicas são mulheres que se relacionam sexual e afetivamente com mulheres, é preciso obrigar lésbicas a se relacionarem com esses homens para que a ideia de que eles são mulheres seja validada. E, olha, eu tô falando aqui só sob a perspectiva da validação de existência deles. Ainda tem a perspectiva do apagamento de lésbicas como uma importante forma de resistência ao patriarcado porque são, historicamente, mulheres que rejeitam o falo numa falocracia, através da imposição do pênis nas relações lésbicas e da consequente ressignificação do termo e da condição lésbica a partir disso. Mas isso eu falo depois.


quinta-feira, 30 de março de 2017

EXPANSÃO TERRITORIAL, CONQUISTA E COLONIZAÇÃO TRANSATIVISTA SOBRE MULHERES




A expansão territorial é uma prática histórica, milenar de sociedades/grupos dominadores, ela acontece em TODOS os processos de dominação - TODOS, basta checar nos livros de História. Invadir e tomar espaços é, ao mesmo tempo, uma prática comum de qualquer processo de conquista e colonização e, no caso específico da colonização do SEXO MASCULINO sobre o SEXO FEMININO, uma poderosa METÁFORA DO ESTUPRO, este a principal e mais fundamental arma de domínio do sexo masculino sobre o feminino.

Por que motivo o transativismo tem como pauta invadir e tomar os espaços exclusivos que as mulheres lutaram tanto pra conquistar sob o argumento REAL e URGENTE de que a SEPARAÇÃO de alguns espaços por SEXOS era fundamental para manter a SEGURANÇA e a INTEGRIDADE do sexo feminino, aquele que é instituído, historicamente, como o SEXO VIOLÁVEL?

Porque o transexualismo, é em si, um MOVIMENTO DE EXPANSÃO do domínio masculino sobre as mulheres - o sexo masculino, certo de sua superioridade, precisa invadir e controlar o espaço mais fundamental de controle e dominação do sexo feminino: a sua GÊNESE, ou seja, a própria DEFINIÇÃO do que é ser uma mulher.

Ao afirmar que "se sente" mulher sem nunca ter experimentado MATERIALMENTE as práticas de violência e limitação que o patriarcado direciona ESPECIFICAMENTE às fêmeas humanas através da SOCIALIZAÇÃO feminina para forjá-las como o constructo social submisso, passivo e inferior, a MULHER, o sexo masculino, no exercício de sua AUTORIDADE sobre as mulheres, almeja nos convencer que a condição de inferioridade feminina NÃO é uma realidade material socialmente forjada pela violência e limitação que o patriarcado impõe as pessoas nascidas no SEXO FEMININO, (como historicamente vêm denunciando as feminismo), mas sim que a condição feminina, submissa, passiva e inferior, é um SENTIMENTO - algo biológico que acontece naturalmente no cérebro inferior das mulheres e, segundo o transgenerismo, de alguns homens "femininos" ou um desígnio metafísico expresso através de uma alma ou um espírito inferior feminino - que pode ser acessado por homens pela reprodução e reafirmação dos estereótipos que eles mesmos criaram pra nos limitar, reduzir e subjugar. Assim, a partir desse processo, em que eles se julgam capazes de acessar através da reprodução dos estereótipos femininos o "sentimento" sobre ser mulher (a submissão, a passividade, a delicadeza, a inferioridade perante o sexo masculino), eles estariam, portanto, autorizados a dizer o que é uma mulher, reafirmando, novamente, a mulher como essa condição de submissão e inferioridade  que eles pretensamente acessam pelos estereótipos patriarcais femininos, negando a condição da mulher como aquela socialmente construída pelas violências e limitações patriarcais conforme as denuncias feministas. 

Expandir seu domínio invadindo e controlando nossos territórios físicos é parte da estratégia de colonização dos homens para expandir também seu domínio sobre  nossos espaços linguísticos e cognitivos - justamente os espaços onde se fundamentam as possibilidades de transformação radical da nossa condição - impondo a nós os seus próprios sentidos e significados sobre a nossa condição. Esse é o objetivo primeiro e último dessa sanha transativista por tomar os espaços femininos, conquistados e construídos pelas mulheres para nossa própria segurança, inclusive o mais importante desses territórios: o espaço (físico, simbólico, linguístico e cognitivo) do próprio movimento feminista, o único dos espaços habitados pelas mulheres em que as estratégias de expansão, invasão, colonização e dominação do sexo masculino sobre o feminino eram radicalmente apontadas, criticadas e combatidas. 

Abram o olho. Saiam desse transe trans.