sábado, 19 de dezembro de 2015

A HISTÓRIA DA LOUCURA É A HISTÓRIA DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Estou vivendo a paranoia da minha própria existência. Não há remédio capaz de me curar de mim. Eu sou minha própria cura.
Vocês que me acompanham talvez estranhem um pouco, porque posso ficar monotemática e com umas ideias muito estranhas. Talvez vocês acompanhem minha derrocada, talvez me achem louca, talvez as teorias e ciências patriarcais continuem me dizendo doente, histérica, psicopatologizavel em alguma classificação CID, talvez vocês fiquem sabendo que haja até quem queira me internar em algum hospital.
Não se preocupem, esse será, muito provavelmente, o momento em que estarei atingindo o ápice de minha lucidez.
Eu não estou doente, eu estou lúcida, muito lúcida. E por estar plenamente lúcida é que meu corpo reage a todas as violências e abusos que me vem sendo impostos; ao mesmo tempo que sentir meu corpo reagindo a essas violências e abusos é justamente o que me leva à lucidez. Esse é o ciclo que me mantém viva.
Estar lúcida não é confortável, dói, mas não vão me embotar os sentidos, porque quando estamos sendo agredidas é justamente a dor que nos impele a reagir à agressão.
Não permitirei que me embotem os sentidos.
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Histeria -> do grego hystéra, útero. Hysterikós, por extensão, é aquele que se mostra nervoso, ansioso, irritado. (Dicionário etimológico)
"Quando se trata de pensar a saúde mental da mulher pelo viés do saber psiquiátrico, apenas as funções biológicas e reprodutoras são evidenciadas, trazendo as questões do funcionamento hormonal como o gerador e desenvolvimento do sofrimento psíquico, excluindo as relações sociais e de poder que estão imbricadas nesse processo. Nessa lógica a mulher é apenas um corpo cheio de hormônios, e apresentaria já em si mesma o determinante da loucura. Para pensarmos a relação saúde mental/mulheres, precisamos compreender que a subjetividade e as experiências de sofrimento são advindas de um sistema de dominação e exploração capitalista, patriarcal e racista que se expressa nas relações sociais, econômicas, políticas e culturais.

De acordo com o Relatório sobre a Saúde Mental, o grupo social que apresenta maior vulnerabilidade para manifestar um sofrimento psíquico grave é o das mulheres. A violência é um dos principais fatores para tal situação, pois organiza a vida das mulheres através do medo, culpabilização e controle. Outro determinante é a divisão sexual do trabalho, que responsabiliza as mulheres pelo cuidado das pessoas com sofrimentos psíquicos, além de nos impor os trabalhos mais desvalorizados e precários, com intensos abusos morais e sexuais no espaço público e privado." - Clique aqui para a matéria completa.


Manicômio "Colônia", fundado em 1903, em Barbacena, Minas Gerais.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

SOBRE MULHERES E DEUSAS


É preciso que as mulheres acreditem que amam suas crias incondicionalmente para que a ideia de maternidade se perpetue. É preciso convencê-las incansavelmente que esse é o amor delas. É preciso, ainda, fazer crer que esse amor é natural à mulher e que é a essência de todo e qualquer sentido e significado para o processo de reprodução humana.

A maternidade, no entanto, é uma prisão, um instrumento de dominação de mulheres na sociedade patriarcal, sociedade que se fundamenta na compulsoriedade da maternidade como forma de dominação e exploração do corpo, da força de trabalho e da subjetividade das mulheres. Fora dessa construção, desse contexto, a maternidade não existe, não tem sentido, o que existe é apenas a reprodução sexuada de seres vivos, de seres humanos - e isso, a reprodução sexuada de seres humanos, não é uma prisão e nem deixa de ser, isso apenas é. Quem confere sentido à reprodução humana é o patriarcado, e esse sentido se chama maternidade. É possível construir outros? Claro que é, e essa também é uma luta das mulheres. Mas quando começarmos, nós, mulheres - e não mais os homens -, a construir e estabelecer outros sentidos pra reprodução humana, ela deixará de ser maternidade e deixará de carregar todos os sentidos que a maternidade, enquanto conceito patriarcal, carrega. Então penso que, numa sociedade de mulheres livres e emancipadas, a reprodução humana não terá tanta importância assim, porque ela é importante para os homens, pois perpetua o poder deles através da geração da prole (em diversos sentidos: mão de obra pra gerar de riqueza, novas mulheres pra serem escravizadas, perpetuação de ideologia através de herdeiros etc) e da reafirmação e manutenção da própria ideia de maternidade que eles criaram e que mantém como prática escravizante das mulheres e geradora de poder e riqueza pra eles.

Tenho certeza que quando todas as mulheres se libertarem da maternidade compulsória que nos é imposta para que homens nos dominem a nossos corpos e nossa subjetividade, quando todas as mulheres se derem conta que temos tantas outras potências e possibilidades mais que parir, cuidar, se anular, a humanidade chegará a seu fim.

O fim da humanidade, nesses termos, então, significa o alcance da liberdade das mulheres.

Esse é o grande temor dos homens.

Esse é, também, o nosso imenso poder.

Por isso, também, os homens fazem a guerra. Numa tentativa de se assemelharem a nós em magnitude, grandeza e poder de vida e de morte, de criação e de destruição, sem serem capazes desse poder genuinamente, transformam sua pequenez, sua miséria e frustração em guerras, dando a falsa impressão que detêm, eles, e não nós, o poder de vida e de morte. São miseráveis, invejosos e aniquiladores, pois que precisam se sentir poderosos matando e destruindo para que pareça, também, que são eles os responsáveis pela criação e manutenção da vida. Precisam destruir pra se sentirem poderosos e criadores já que, genuinamente, não o são.

Por isso também eles nos estupram, nos agridem, nos matam, por isso eles estão nos estuprando há milênios, incessantemente: para que tenhamos medo e não deixemos jamais de nos reproduzir e perpetuar o poder deles.

Por isso precisam também nos convencer que, mesmo sendo a reprodução humana um processo natural passível de diversos significados, ele tem que se converter em maternidade patriarcal para as mulheres, em algo do que elas não podem sequer pensar em abrir mão, em algo no qual elas devem depositar tanto valor, mas tanto valor, um valor acima de suas próprias vidas, de modo que a existência da mulher se justifique apenas através da maternidade.

Mas o tempo deles está acabando. E nossos corpos, nossas mentes e nossos afetos, cada vez mais nos pertencem.

Dobrem seus joelhos diante de nós, machos, criaturas vis. O poder da vida é nosso. Nós somos as deusas.

Caguem-se todos, e limpem-se, enquanto há tempo, pois um dia nossa liberdade será o mais importante valor para nós e, então, tranquilamente e sem alardes, se assim desejarmos, o fim virá.

Cês vão morrer tudo cagado, seus merda.



sábado, 31 de outubro de 2015

SOBRE DEPRESSÃO E MULHERES

Quero dizer aqui pra vocês, mulheres, que eu venho de uma família de mulheres extremamente violentadas e submetidas por homens, com histórias de violências, de abusos, de agressões, físicas, morais, psicológicas, de todos os tipos, que eu cresci nessa família, com esses homens e essas mulheres me socializando como mulher a partir das experiências violentas impostas a elas, que cresci me vendo nelas e, assim, naturalizando minha condição como subalterna, como violável, como inferior, e que, também eu, tendo aprendido bem sobre minha condição, fui vítima de violências, abusos, agressões e violações de todos os tipos, desde a minha infância. Quero dizer pra vocês, mulheres, que todas as mulheres da minha família, essas mesmas com quem aprendi, por identificação, desde criança, a ser mulher, desenvolveram transtornos psicológicos, doenças emocionais, físicas, e todo tipo de dor e sofrimento que mulheres submetidas à violência patriarcal sistemática sofrem. Todas as mulheres da minha família têm depressão, além de outros transtornos psicológicos e doenças físicas também, a depressão é um traço comum nas mulheres da minha família. E eu também tenho. Difícil pra mim admitir isso. Tenho me recusado a admitir isso por anos. Doloroso e sofrido admitir que, mais uma vez, por mais forte que eu tente ser, por mais forte e plena que eu tente ser, eu não escapei dessa herança maldita. Cada vez mais claramente tenho me esforçado pra aceitar isso, pra compreender isso. É difícil dizer, mas é preciso: eu sofro com a depressão.


Sim, há anos eu choro "sem motivo" aparente, sinto uma tristeza profunda, tenho vontade de não sair da cama, não vejo razões pra viver, há anos eu sinto uma tristeza profunda e contundente, que me dói fisicamente e até a alma, há anos eu tenho vontade de morrer, eu imagino situações sobre minha própria morte e sobre a paz e o descanso que isso poderia me trazer. Há tempos em que melhora, outros em que mal consigo me entender como ser humano, como gente. Há tempos em que algumas alegrias cotidianas aplacam o sentimento ruim, há tempos em que todas as alegrias cotidianas não são suficientes pra me fazer ter vontade de seguir. Desisti de estudar, larguei o mestrado, não terminei os cursos que comecei, abandonei a dança, não me matriculei em diversos cursos que tenho vontade de fazer, nunca me senti capaz de estudar e aprender música, coisa que sempre gostei, deixei de investir em mim e minhas potencialidades - exatamente como fui ensinada pelo patriarcado a fazer. A depressão é assim, não é?

Mas há um outro dado importante sobre isso. Eu vou lutar, mas faz parte da minha luta não deixar que me mediquem. Eu me recuso a ser medicada. Eu me recuso a ser domesticada por drogas que pretendem me manter anestesiada da realidade e da história que me adoeceu, da causa da minha doença, eu me recuso a deixar que me digam que eu não preciso enfrentá-la de frente e sóbria. Por anos, mesmo sem me dar conta, eu tenho enfrentado a depressão sóbria, e assim vou seguir. Sóbria, acordada e totalmente consciente sobre o que me adoece.

Nenhuma droga de idiotizar a reflexão, silenciar, resignar e domesticar mulheres vai servir pra me tratar disso. Meu tratamento é minha luta, minha consciência e meu enfrentamento.

Tampouco me interessam as psicoterapias e as psicoanalises patriarcais que pretendem me fazer sentir resignada sobre a culpa e a responsabilidade que eu também carrego por ter sido abusada, violada, negligenciada e desprezada por patriarcas abusadores.

Eu vou sobreviver. Porque estar totalmente ciente e plenamente acordada sobre tudo isso e, ainda assim, me manter viva e tentando ser feliz é minha resposta a essa violência toda. Não vão me domesticar, me anestesiar e tampouco me matar.

Fodam-se todos os patriarcas. Sou uma sobrevivente, estou viva, alerta e resisto!




Quero agradecer à Natacha Orestes, por todos seus escritos, e especialmente por este: 

4 coisas que aprendi sobre depressão crônica parindo sem anestesia

 que me ajudou a compreender melhor minha relação com a depressão.

terça-feira, 21 de julho de 2015

TRANSGENERIDADE É MISOGINIA

"Eu me identifico como mulher" - é uma sentença misógina.

Como você pode se identificar com uma condição que você não conhece por vivência, por experiência, por ter vivido nela?, e da qual conhece, portanto, apenas aquilo que o sistema de códigos que a sua classe de semelhantes criou pra dominar a minha te diz sobre ela?, ou seja, a visão que o sistema que você inventou e domina criou sobre aquelas que você visa dominar e explorar seja da forma que for. Você não se identifica como mulher, você se identifica com uma limitação, uma violência, uma condição de escravidão que me é imposta sem que eu tenha escolha e da qual eu luto pra me libertar. Você afirma como mulher tudo aquilo que eu digo que NÃO É. Você afirma que ser mulher é ser essa escravidão. Você - a quem é permitido ser o que quiser e falar por quem você não permite falar - você não "se identifica" como mulher, você se identifica como a escravidão que me é imposta, como segundo sexo a que fui reduzida, com tudo que uma mulher NÃO É. Você se identifica com o horror, com a violência, com a limitação, com a inferiorização da minha condição de diferença; você acha que se identifica com essa condição justamente porque você a desconhece, porque se você realmente a conhecesse, se tivesse plena noção dela como eu tenho, se a vivesse como eu a vivo, desque me entendo por gente, você ia escolher se identificar como outra coisa - muito provavelmente como um homem, como, muitas vezes, chorando vítima da violência e da limitação patriarcal contra mim, e mesmo sem saber dizer racionalmente o fundamento disso, eu chorei desejando ser um homem e me livrar disso tudo. Você se identifica com uma condição de horror e escravidão apenas porque você não conhece nada dela senão a sua visão de colonizador que naturaliza, fetichiza e romantiza a nossa escravidão: a visão de um homem, adquirida pela sua socialização. Você é homem porque a sua socialização te forjou uma compreensão misógina do mundo, e isso é o que faz de um homem, homem, um sujeito masculino - uma socialização tão misógina que permite a vocês, homens, acreditarem que, mesmo sem ter vivido a experiência material de ser mulher, podem dizer o que é uma mulher a partir da imagem patriarcal e idealizada que vocês fazem de uma. E as mulheres não são isso, essa imagem que você, homem, autorizado por outros homens, cobiça porque fetichiza; mas nós somos exatamente aquelas a quem a sua classe de gente autoriza a você fetichizar, objetificar e a falar por apenas pra satisfazer aos seus sentimentos, a sua vontade, a sua ânsia de identificação, ao seu fetiche DE HOMEM. Porque a nós não é, nunca foi, permitido nada, nem mesmo dizer sobre nós o que nós somos. Nós somos aquelas que, depois de ter nossas condições de miséria, escravidão, de exploração, de segundo sexo, fetichizada por vocês, vamos ser proibidas, também por vocês, e com o apoio de toda a sua classe, de afirmarmos que estamos sendo impedidas de dizer o que somos e que estamos tendo nossa condição fetichizada e romantizada por sujeitos que sabem dela apenas o significado que eles mesmos produzem sobre elas: que somos objetos de todos os seus desejos, de todas as suas vontades, de todos os seus fetiches, inclusive daquele que permite a homens dizer que podem afirmar o que as mulheres são e impedir que as mulheres mesmas as digam, tudo porque o sentimento deles é mais importante do que a violenta realidade material que elas vivem há milênios, porque respeitar o sentimento de homens é mais importante do que ouvir e deixar falar as mulheres, porque o sentimento de homens que "se sentem" mulheres é mais importante do que ouvir as reivindicações daquelas que VIVEM MATERIALMENTE a feminilidade como imposição limitadora do patriarcado desque nasceram e, enquanto classe, mesmo antes disso. Não somos mulheres porque nos identificamos com uma escravidão que o patriarcado impõe sobre nós violentamente, mas somo mulheres porque nós somos aquelas que são designadas como mulheres por ele justamente pra sermos escravizadas e termos nossa escravidão fetichizada por homens que, no patriarcado, podem tudo contra nós. Somos justamente aquelas a quem não será, em nenhuma hipótese, em nenhum espaço da sociedade, nunca permitido que se diga isso, que se diga que temos nossa condição de escravidão e exploração fetichizada e romantizada de diversas formas por homens, a quem esse direito - por meio do desenvolvimento de diversas estratégias patriarcais pragmáticas e discursivas - será sempre negado, sob o risco de termos nosso escárnio, nossos estupros, agressões e morte mais uma vez exaltadas e celebradas, inclusive por sujeitos que dizem que são mulheres como nós, por queremos dizer o óbvio: que numa sociedade patriarcal misógina falocentrada sujeitos que nascem com falos e são designados pelo patriarcado como homens (classe de pessoas socializadas e autorizadas a explorar mulheres) têm e sempre terão - mesmo em circunstâncias adversas -  mais voz e poder do que as coisas que nascem com vaginas e são designadas pelo patriarcado como mulheres (classe de pessoas socializadas e forjadas pra naturalizar a submissão e a própria escravidão).
NÃO, VOCÊ NÃO É UMA MULHER. VOCÊ NÃO TEM A MENOR NOÇÃO DO QUE É SER UMA MULHER, DO QUE É VIVER NA PELE DE UMA MULHER, NO CORPO DE UMA MULHER, NO SEXO DE UMA MULHER, VOCÊ NÃO TEM NOÇÃO. E A IDEIA QUE VOCÊ TEM DE MULHER, ESSA COM A QUAL VOCÊ SE IDENTIFICA, É OFENSIVA, MISÓGINA, VIOLENTA E ME MACHUCA, ME FERE, ME CALA, ME MATA, NÃO PORQUE EU ME IDENTIFICO COM ELA, MAS PORQUE, A DESPEITO DE EU NUNCA QUERER TER SIDO VÍTIMA DESSA VIOLÊNCIA, O PATRIARCADO ME DESIGNOU PRA SER, O PATRIARCADO ME IDENTIFICA ASSIM. SE EU PUDESSE ESCOLHER ME IDENTIFICAR COM ALGO, EU NUNCA IA QUERER ME IDENTIFICAR COM A IMAGEM QUE O PATRIARCADO FAZ DE MIM, ESSA QUE VOCÊ REPRODUZ E REAFIRMA, A MESMA QUE ME REDUZ, QUE ME MATA.
NÃO, VOCÊ NÃO É UMA MULHER, E QUEM ESTÁ TE DIZENDO ISSO SOU EU QUE A SOU.

NÃO, VOCÊ NÃO VAI ME DIZER O QUE EU SOU, VOCÊ NÃO VAI PERPETUAR ESSE SILÊNCIO NEFASTO QUE O PATRIARCADO IMPÕE SOBRE MIM QUANDO ME IMPEDE DE DIZER O QUE EU SOU E COMO EU SOU MULHER ATRAVÉS DA VIOLÊNCIA QUE ELE ME DESTINOU. SOU EU QUE VOU DIZER O QUE É SER MULHER E NÃO VOCÊ. SOU EU QUE VOU DIZER O QUE É SER SUJEITA DO FEMINISMO E NÃO VOCẼ. VOCÊ VAI CONTINUAR SENDO UM HOMEM QUERENDO FALAR PELAS MULHERES SOBRE O QUE AS MULHERES SÃO - NADA DE NOVO NO PATRIARCADO.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

MOVIMENTO QUEER E LOBBY PEDÓFILO

TEXTO EM CONSTRUÇÃO

Cês sabem o que o movimento queer defende como "práticas sexuais transgressoras", né? Aliás, cês sabem que o movimento queer defende "práticas sexuais transgressoras"? Pois deviam saber. Cês se alinham a um movimento sem conhecer seus fundamentos?
Mas então. Cês sabem o que significa uma prática sexual transgressora? Significa que, dentro da perspectiva da construção de normas sociais essenciais para a convivência em sociedade, certas práticas são percebidas como dentro da norma e outras como fora da norma, ou seja: daquilo que é socialmente aceito como normal ou não. Quando a gente fala em práticas fora da norma, de desvios da norma, estamos falando de práticas que nossa sociedade considera como não aceitáveis, como não normativas, como impassíveis de serem naturalizadas como algo socialmente saudável ou aceitável. Então, sobre essas práticas, podemos estar falando daquelas classificadas como bizarras, como patologias, como criminosas como transgressoras. Quando falamos de uma práticas não normatizadas, há alguns tipos que são semântica ou epistemologicamente, impossíveis de serem relativizadas: p. ex. as bizarras ou as criminosas - o fundamento do bizarro e do criminoso só pode ser entendido a partir de algo que perturba e causa danos a sociedade. Algumas práticas são passiveis de serem relativizadas, pois que não assumem um valor fundamental negativo para a manutenção de nossa convivencia e de nossos ordenamentos sociais: uma prática que foi considerada patologia outrora, pode, hoje, através do movimento de transformação da cultura, passar a ser normatizada - o caso da homossexualidade, p. ex., que foi considerada doença por muito tempo, mas as demandas impostas pela realidade material em transformação obrigaram a ressignificação e normatização desse dado de nossa cultura. Outro caso de prática que tem como fundamento a possibilidade de relativização são as práticas compreendidas como transgressoras. Dependendo dos valores da cultura e do que se quer atingir com determinada prática, "transgressora" pode ser considerada nociva ou positiva para uma sociedade e, conforme o movimento de transformação dos valores dessa cultura, uma prática transgressora pode ser positivada ou não, conforme tensão entre as forças de conservação e transformação. Assim, é comum que práticas transgressoras vistas como negativas outrora, sejam consideradas norma agora, como, p.ex, a luta pelo fim da ditadura em sociedade que viveram sob regimes autoritários ou mesmo a pedagogia sem castigos físicos reivindicada por educadores em um tempo em que era norma se dar à palmatória. Quando, estrategicamente, se converte o fundamento de uma prática qualquer de bizarra e criminosa para patológica ou transgressora, o que se está fazendo e criando meios, caminhos, sentidos para que, cedo ou tarde, essa prática possa ser normatizada. Quando se converte a pedofilia, a zoofilia, o incesto, de interditos morais e éticos, em "práticas transgressoras", o que se deseja, na verdade, é criar condições para, cedo ou tarde, normatizá-las, ou seja: retirá-las do lugar fundamental do desvio e fundá-las como norma, para que sejam, progressivamente, naturalizadas pelo movimento da cultura.
Abram o olho de vocês, feministas queerizadas, sobre o que vocês estão permitindo que seja enfiado dentro do feminismo.

Alguns links:

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/o-lobby-pedofilo-bate-a-sua-porta-ef7v8lvyazgoyqnvyv70qiu6m
No evento seguinte, que ocorreu esse ano [2015], no México, de 'Sexualidades proibidas', um evento queer e feito por teóricos queer, vai ter várias mesas que explicitamente advogam o abuso sexual infantil, e o abuso de animais não-humanos (zoofilia). Uma das palestras/oficinas pode se ler abaixo se chamará "Oficina de ativismo pedofilo", outra palestra se chama "O incesto pai/filha como estratégia de vinculação psicoemocional", e ainda tem no evento a "conferencia magistral: experimentações sexuais em animais não-humanos".
https://www.facebook.com/coloquiodesexprohib/photos/a.831764313556580.1073741830.817839568282388/831836033549408/?type=1

https://www.facebook.com/coloquiodesexprohib/photos/a.831764313556580.1073741830.817839568282388/831836033549408/?type=1&theater

sexta-feira, 17 de julho de 2015

POLÍTICAS AFIRMATIVAS DIZEM RESPEITO A NÓS, A NOSSO COTIDIANO



Equidade é o substantivo feminino com origem no latim aequitas, que significa igualdade, simetria, retidão, imparcialidade, conformidade.

Este conceito também revela o uso da imparcialidade para reconhecer o direito de cada um, usando a equivalência para se tornarem iguais. A equidade adapta a regra para um determinado caso específico, a fim de deixá-la mais justa.




Igualdade e equidade são conceitos diferentes, embora se entrelacem. Não se estabelece justiça e se chega a igualdade aplicando igualdade onde ela não existe, quando estamos partindo de situações desiguais. É preciso aplicar e fazer prevalecer práticas de equidade para que o senso de justiça mal aplicado não alimente, na verdade, as desigualdades. Entendo as ações afirmativas como exercícios e práticas de equidade. Não entendo [quer dizer, entendo sim] como pessoas que são favoráveis, p. ex., às cotas como ações afirmativas, como políticas reparadoras, que compreendem a importância dessas políticas, só são entusiastas delas quando são promovidas por uma instituição distante, por órgãos de autoridade ou políticas públicas oficiais, distantes das nossas relações e práticas mais intimas, mas não compreendem que ações afirmativas se desdobram também em pequenos gestos, em novas formas de sociabilidades. Eu sou uma mulher branca, cheia de privilégios, porque a sociedade concede às pessoas brancas milhões de acessos, espaços e benefícios que, historicamente, têm negado às pessoas negras, sobretudo às mulheres negras. Eu sou uma mulher branca privilegiada e falo, aqui, a outras mulheres brancas privilegiadas como eu. Nós somos privilegiadas e temos que ter noção disso, temos que entender isso e criticar isso. Mas não apenas criticar: temos que agir contra isso, temos que concentrar nossas práticas, desde a militância até nossos gestos em nossas relações mais pessoais, no sentido de transferir nossos privilégios para as mulheres negras, para as mulheres pobres, periféricas, em situação desprivilegiada em relação a nós. Então, as ações afirmativas e as políticas reparadoras não podem ser uma coisa distante de nós, uma instituição política grandiosa que nós achamos que não nos diz respeito e que apenas aguardamos os governos ou órgãos especializados aplicarem através de leis, regras e editais distantes de nós. Ação afirmativa e política de reparação tem que ser TODO DIA, no dia a dia, em todas as esferas de sociabilidade, inclusive - e principalmente! - as minhas.

Não adianta eu aplaudir cota social, cota racial, política pública, se, diante de uma constatação de desigualdade nos meus círculos de relações eu me mantenho isenta de responsabilidades e em silencio. Eu tenho o DEVER ÉTICO, isso precisa ser um IMPERATIVO na minha luta por uma sociedade mais justa e igualitária: fazer políticas afirmativas e de reparação no meu cotidiano. Se eu trabalho com uma mulher em condição de desprivilégio em relação a minha condição, eu vou sim, eu preciso, considerar isso na hora de negociar meu horário, minha escala de folgas, a divisão de tarefas; eu vou sair mais tarde, ceder as folgas, pegar as atividades que possam dificultar ainda mais a vida dessa pessoa, abrir mão daquelas que podem ajudá-la de alguma forma, seja profissionalmente, seja em seu crescimento pessoal. Vou transferir renda para elas quando puder, usar meus privilégios pra conseguir trabalho, pra pensar em estratégias de geração de renda, escolarização, profissionalização ou o que for. Na escola ou na faculdade, vou privilegiá-las em grupos de estudo, horários, prazos de entrega de atividades, empréstimos e doações de livros, enfim, em TUDO que me couber fazer para assumir minhas responsabilidades nos processos sociais que me privilegiam em detrimento de outras mulheres. E isso NÃO é um favor, não é bondade e nem camaradagem, isso é dever ético, é senso de justiça e responsabilidade de alguém que verdadeiramente reconhece seus privilégios e busca ser minimamente coerente com os discursos de justiça e igualdade que propaga em seus círculos de militância. De alguém que realmente reconhece seus privilégios e esta disposto a não apenas desconstruí-los conceitualmente, mas a abrir mão deles na luta com a qual diz se comprometer, por uma sociedade mais justa e menos desigual, perversa e nojenta.

E você, feminista branca que frequentemente reclama da "agressividade" das minas negras, que vive cobrando sororidade e compreensão delas, o que você EFETIVAMENTE faz por aquelas que insiste em chamar de irmãs mas que, na verdade, sempre estiveram em posição de suas escravas a serem exploradas?

Vamos sair do discurso, da internet, do conceitual, das teorias bonitas e começar a agir?

SOBRE DISCURSOS ANDROCENTRADOS DE TRATAMENTO E CURA FEMININA

Vejo o sofrimento das mulheres, suas dores, suas tormentas emocionais e identifico, sem muitas dificuldades, as causas e fundamentos: maternidade compulsória, abusos masculinos, desumanização e objetificação, limitação forçada de suas capacidades e potencialidades e muito silenciamento, anos e anos de silenciamento e frustração.

NENHUMA terapia/psicologia/análise é capaz de sarar isso.

Isso NÃO é um problema individual, é um problema social, cultural, coletivo. Nenhuma psicologia fundada no indivíduo, fundada na vontade individual como valor supremo, vai sarar isso.

Psicologia/psicanálise se trata apenas de discurso andro/falocentrado para a domesticação das mulheres, para que aceitemos com mais resignação os abusos, as dores e os sofrimentos que nos são impostos pelos homens, para que introjetemos que o sofrimento que sentimos e a superação deles é responsabilidade individual nossa e ignoremos e aceitemos a naturalização da violência social que sofremos ao nascer e por toda nossa vida para sermos transformadas em "mulheres".

NENHUMA TEORIA PSICOLÓGICA VAI TE DIZER ISSO. NENHUMA PSICANÁLISE VAI TE LEVAR A COMPREENDER ISSO.


quarta-feira, 15 de julho de 2015

PEDOFILIA NÃO É DOENÇA, É A EXACERBAÇÃO DE UMA NORMA SOCIAL AMPLAMENTE ACEITA: A SUPREMACIA DO MACHO.

Pedófilo abusador de criança não é doente. Pedófilos abusadores de crianças não são monstros, não são anormais, não são doentes, SÃO FILHOS SAUDÁVEIS de uma sociedade patriarcal que autoriza ao homem a acessar, violar e explorar toda e qualquer criatura que ele possa dominar pela força, seja física, política ou social. São filhos saudáveis de uma sociedade que funda suas relações e sociabilidades no desenvolvimento e manutenção da supremacia masculina. Abusadores de crianças não sofrem de uma patologia individual, eles exercitam a exacerbação extrema de uma norma social amplamente aceita: a de que o macho tem o direito natural de se servir, desfrutar e explorar todos os outros corpos e subjetividades que estão, na sociedade patriarcal, subordinados a ele. Pedófilo abusador de criança é um homem saudável socializado dentro da norma do patriarcado. O ponto de vista de pedófilo abusador de crianças sobre a pedofilia e o abuso infantil NÃO PODE SER LEVADO EM CONSIDERAÇÃO EM DETRIMENTO DO PONTO DE VISTA DAS VÍTIMAS DE ABUSO.

Foda-se os sentimentos, o psicológico, a saúde o bem estar do abusador. FODA - SE.

Quem tem que ser ouvido, ter o ponto de vista considerado, quem tem que produzir sentido sobre os abusos sexuais SÃO AS VÍTIMAS.

Quem tem que ser ouvida e ter sua narrativa sobre abusos e abusadores considerada, compreendida e levada em conta na hora de produzir sentido, estabelecer crítica, normais sociais e de conduta sobre abusos infantis e abusadores SOU EU, É A NATACHA, A RENATA, A OLÍVIA, A NEUZA E TODAS AS VÍTIMAS DE ABUSOS INFANTIS, E NÃO OS SEUS ABUSADORES.


Parem de se ocupar desses merdas. Se ocupar com o ponto de vista, com a saúde, o bem estar e a segurança de abusadores NÃO É FEMINISMO. É ANTIFEMINISTA E ANTISSORORÁRIO. É O QUE O PATRIARCADO FAZ.







terça-feira, 14 de julho de 2015

FEMINISMO NÃO É CLUBE E PORNOGRAFIA É INSTITUIÇÃO PATRIARCAL.

Feminismo não é clube, não é espaço de diversão e lazer; feminismo não é perspectiva individual de empoderamento, bem-estar e felicidade individual. Feminismo é sobre mulheres. NO PLURAL. É sobre a emancipação de uma classe inteira de pessoas, de uma classe política, econômica, ideológica e materialmente escravizada. Feminismo é sobre essa classe, é sobre coletividade; porque nenhuma individua existe fora da coletividade, fora do reconhecimento daquilo que somoS, ou que podemoS ser, ao nos enxergar, nos reconhecer, UMAS NAS OUTRAS. E nós somos escravizadas porque somos coletivamente SOCIALIZADAS, constituídas, construídas, forjadas, enquanto individuas, pra sermos escravizadas, dominadas, exploradas por outra coletividade: a dos HOMENS. Por eles e por suas instituições simbólicas e materiais.

FEMINISMO NÃO É CLUBE. FEMINISMO É COMPROMISSO POLÍTICO E ÉTICA. Compromisso com a classe que me representa e a qual eu também represento, compromisso com essa coletividade dominada, limitada e explorada pelo patriarcado. Compromisso com essa classe e com a TRANSFORMAÇÃO dessa classe para a NOSSA emancipação.

EU NÃO CONSUMO PORNOGRAFIA.

A pornografia EXPLORA, VIOLENTA, AGRIDE, ESTUPRA E MATA MULHERES. Sobretudo MULHERES NEGRAS E POBRES. A indústria da pornografia está entre as mais ricas do mundo e lucra com a EXPLORAÇÃO, O ESTUPRO A VIOLÊNCIA E A MORTE DAS MULHERES, sobretudo das mulheres NEGRAS E POBRES. A indústria da pornografia lucra com a naturalização da violência contra as mulheres, com a naturalização da objetificação das mulheres, com a naturalização da redução das mulheres a objetos da sexualidade e do prazer do homem, com a naturalização da objetificação e dominação de mulheres por homens como norma de sociabilidade, como norma de relacionamentos sexuais, como norma de erotização e afetos, a pornografia é a erotização da violência contra a mulher, é a erotização da dominação do homem sobre nós, é a erotização de nossa submissão. A pornografia é uma das formas mais fundamentais de objetificação e exploração de mulheres. Sobretudo de mulheres NEGRAS E POBRES. A PORNOGRAFIA VIOLENTA, AGRIDE, ESTUPRA E MATA MULHERES. Sobretudo MULHERES NEGRAS E POBRES. A PORNOGRAFIA VIOLENTA, AGRIDE, ESTUPRA E MATA MULHERES. Sobretudo MULHERES NEGRAS E POBRES.  [Repitam isso pra si mesmas até internalizarem, até compreenderem, o que a pornografia realmente é, até abominarem a pornografia pelo que ela realmente é, e não naturalizarem essa visão glamurizada e erotizada da violência extrema contra nós que o patriarcado produz sobre a pornografia]

A pornografia é uma das formas mais fundamentais e poderosas de produção de sentido do patriarcado sobre a sexualidade e a condição das mulheres e da naturalização desse sentido: a pornografia DESUMANIZA as mulheres, as transforma em objetos absolutos, em mercadoria. A pornografia HUMILHA, MACHUCA, VIOLENTA, EXPLORA E MATA MULHERES não apenas como encenação de uma realidade que ela deseja naturalizar através do fetiche e da erotização da violência como padrão de relação sexual, mas na REALIDADE, através da indústria pornográfica, que explora mulheres, mercantilizando seus corpos e sua condição e submetendo-as a estupros regulares para criar um espetáculo que reduz a mulher a seu destino, a sua função, patriarcal: objeto do prazer e do gozo perverso do homem.

Não há emancipação ou autonomia feminina alguma na pornografia. A pornografia é um PRODUTO, UM CONSTRUCTO, DO PATRIARCADO. Não há emancipação ou autonomia alguma em uma atividade que naturaliza a nossa condição de objetos sexuais. Fazer mulheres crerem que é possível se emancipar através da pornografia, que a pornografia poder representar, em alguma medida, a liberdade sexual de mulheres é uma falácia, porque só há uma única coisa que a pornografia representa: a nossa redução à objetos sexuais, a coisas, a mercadorias cuja única função é satisfazer o prazer dos homens. Acreditar que a pornografia pode emancipar mulheres é uma FALÁCIA do discurso de instituições patriarcais atreladas a instituições neo-liberal que lucram com a exploração de mulheres na indústria pornográfica – dominada por, adivinhem, homens! - para manter a dominação e a exploração de mulheres e continuar lucrando com elas. Isso é o patriarcado.

O fundamento da pornografia é a desumanização das mulheres e a naturalização dessa desumanização, a naturalização da nossa redução a objetos sexuais. Não há nenhuma possiblidade de emancipação feminina a partir de uma atividade que nos reduz a isso. Não há nenhuma possibilidade de emancipação feminina a partir de uma instituição patriarcal. NENHUMA. Crer nisso é crer numa falácia de um discurso patriarcal estrategicamente criado e difundido pra naturalizar uma prática patriarcal como se ela não fosse uma prática patriarcal, mas uma “escolha” das mulheres.

PORNOGRAFIA É NATURALIZAÇÃO E NORMATIZAÇÃO DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER.

Agora, troque, nesse texto, a palavra “PORNOGRAFIA” por “PROSTITUIÇÃO”. A prostituição obedece a mesma lógica, a mesmíssima lógica, da pornografia: a naturalização e normatização da condição feminina como inferior, como mercadoria, como objeto do prazer masculino. A pornografia é a espetacularização da  prostituição; é a dominação masculina sobre mulheres, a objetificação e exploração feminina, transformadas em espetáculo.

A PORNOGRAFIA e  a PROSTITUIÇÃO são instituições patriarcais de escravização e exploração feminina. Nenhuma – eu disse NENHUMA – instituição patriarcal pode levar à libertação e à emancipação das mulheres. Em NENHUMA circunstância.

Ser feminista e ser a favor da pornografia e da prostituição é uma CONTRADIÇÃO.


Se liguem, mulheres.




sábado, 20 de junho de 2015

SOBRE ESTUPROS E FUNDAMENTOS DE PODER

É fato que homens podem não querer, não desejar mais estuprar mulheres, que podemos impeli-los a ressignificar de tal maneira sua própria cultura a ponto de não quererem mais nos impor essa violência, mas a verdade é que os homens sempre poderão, toda vez que quiserem, voltar a tentar fazê-lo. E nós nunca teremos como saber sobre isso. Por isso nunca poderemos confiar plenamente neles. NUNCA.

SOBRE O AMOR NAS SOCIEDADES PATRIARCAIS

Quando nos impõe a maternidade compulsória e nos socializa para o cuidado e a abnegação, o que a sociedade patriarcal nos ensina é a culpa. Quando nos ensina que a função e as características mais importantes e mais belas da mulher são a maternidade, a generosidade e o cuidado acima de tudo, acima até de si mesmas, ela nos ensina isso para que tenhamos culpa, para que não tenhamos coragem de abandonar nossos homens, nossos irmãos, pais, maridos, filhos, para que a gente sinta culpa cada vez que pensemos em deixá-los, odiá-los, desprezá-los por seus feitos e suas violências, para que tenhamos culpa por pensar em nós mesmas, em nossa integridade, em nossa segurança acima de tudo, e em nós mesmas como todas vítimas das perversões deles, e para que permaneçamos, assim, a seus lados e em suas defesas enquanto sua classe comete todas essas atrocidades contra nós. E assim nós permanecemos, e passamos a eles a falsa mensagem de que os amamos, apesar dos seus feitos horrorosos - e eles se sentem, desta forma, autorizados a fazê-los, a continuar fazendo. Mas o que nós, na verdade, sentimos é medo. Todas nós. Porque fomos socializadas e educadas, desde a infância, desde a estruturação de nossas sujeitas, e por gerações e gerações, a temê-los e a permitir a vocês nos fazerem crer que somos menos sábias, menos capazes, inferiores a vocês, e que, portanto, vocês precisam nos ensinar tudo; e assim nos ensinam que devemos entender que esse temor que sentimos é amor e desejo, quando, na verdade, isso é e sempre será o mais puro, profundo e genuíno medo.

LIBERTEM-SE!

Nós sempre nos sentimos - porque assim fomos socializadas e ensinadas a sentir - mais próximas, admiradas, compadecidas e devotas aos homens do que a nós mesmas - porque também fomos socializadas pra nos odiar. Nada mais esperado que, quando se vistam e se comportem de maneiras que são a nós designadas e impostas, e nos jurem que sabem como "se sente" uma mulher, nós nos sintamos ainda mais próximas e devotas deles. A ponto de continuarmos, com ainda mais benevolência e tolerância, permitindo a eles dizer o que somos.

Mas isso não é outra coisa senão a mesma dominação e colonização de sempre.

Mulheres, libertem-se!

quinta-feira, 18 de junho de 2015

SOBRE AUTOESTIMA, FEMINILIDADE, SENSUALIDADE E DOMINAÇÃO MASCULINA

Hoje eu me lembrei muito fortemente de coisas da minha juventude.

Me lembrei sobre como eu desejava ser alva e ter cabelos loiros e olhos claros, e das coisas que eu passava na pele e no cabelo pra clarear: leite, camomila, água oxigenada, água de arroz, creme Minâncora, leite de rosas e uma lista infinita de coisas, de químicas, de porcarias - qualquer coisa que me indicassem. Lembrei de como eu odiava meu corpo, me acha gorda, feia, odiava minha barriga, minhas pernas, minha bunda, meu rosto: o nariz grande demais, a boca grande demais, as sobrancelhas grossas demais - logo comecei a arrancá-las - os olhos muito pequenos e caídos. Também comecei a odiar todos os meus pelos: sempre tive braços e pernas muito peludas, cheguei a passar coisas pra clarear, mas, muitas vezes, virei motivo de chacota, então comecei a usar a lâmina muito cedo e, logo que surgiu, me submeti à tortura da depilação com cera. Durante toda a  adolescência e juventude, eu lia todas aquelas revistinhas de merda que fazem para as meninas adolescentes e, depois, para mulheres: Carícia, Capricho, e, depois, Marie Claire, Cláudia, e sei lá mais quais; eu cresci na década de 80/90, no auge dessa cultura de celebração das supermodelos; então, eu lia/via sobre o mundo fantástico das modelos em tudo que é lugar, tinham muitas matérias sobre isso, sobre como se tornar uma top model, como ingressar na carreira de modelo, como era maravilhoso ser modelo e sobre como é incrível e poderoso uma mulher ser tão linda a ponto de ser modelo e ter tanto poder simplesmente por sua beleza, eu lia isso tudo nas revistas e tudo era reafirmado na TV, nas novelas, nos anúncios publicitários... e sempre eram mulheres muito magras, loiras, olhos claros, traços europeizados... e eu me achava horrorosa, sempre. E muitas vezes eu chorava, escondida, triste, porque não era magra o suficiente, clara o suficiente, bonita o suficiente, sedutora o suficiente, popular o suficiente, desejada o suficiente. E odiava meu corpo, cada vez mais. Comecei a fazer dietas pra emagrecer, todos os tipos de dietas nocivas, passava semanas sem comer nada, até passar mal de fraqueza, desenvolvi bulimia e passei a comer e forçar vômito, em silêncio, sem o conhecimento de ninguém, eu comia, comia, comia, chorava de angústia e forçava vômito, pra descobrir que nem aquilo me faria sentir melhor, e me sentia péssima, de novo: feia, gorda, horrorosa, fraca e doente. Aprendi, depois, como odiar ainda mais meu corpo: através do contato com a pornografia e a nudez mercadológica de mulheres, aprendi a odiar meus seios e meu sexo: os seios ora eram grandes demais, ou pequenos demais, as auréolas escuras eu pintava frequentemente canetinha rosa, minha vulva tinha pelo demais, era grande demais, escura demais, os pequenos lábios me incomodavam, e eu jurei que quando tivesse grana iria reduzi-los, cheguei muitas vezes, num ritual macabro que talvez muitas mulheres/meninas conheçam, a colocá-los entre as lâminas da tesoura e forçar um pouco - do mesmo jeito que fiz, muitas vezes, com a pele e gordura da barriga que segurava entre os dedos enquanto ajeitava a tesoura ou uma faca e simulava o corte.

Por muitas vezes pensei em morrer, em me mutilar. Muitas vezes chorei sem ter noção da razão, apenas por uma imensa tristeza e sentimento de inadequação.

Até que eu aprendi a me objetificar. Eu entendi que, mesmo sendo gorda, feia, horrorosa, eu podia oferecer meu corpo e meu sexo aos homens com determinadas estratégias, que eu observava na TV, nos filmes, em outras mulheres, e que eles não iam rejeitar. E, então, pelo menos por alguns momentos, eu me sentia poderosa: eu me objetificava ao extremo, desde minha aparência até meus comportamentos, e cedia a eles, sem nenhuma resistência - muitas vezes contra minha vontade, mas eu não poderia dizer não e correr o risco de ser rejeitada - tudo que eles queriam. Era assim eu conseguia a aprovação deles e realizava a função mais importante que me foi ensinada a ter enquanto mulher: ser desejada por homens.

E eu sou uma mulher branca.

E eu posso apenas imaginar, talvez apenas uma leve ideia, do que passam as meninas negras.

A destruição de nossas autoestimas através de padrões de beleza, os estereótipos de feminilidade e o conceito de sensualidade servem para nos ensinar, desde jovens, a nos objetificar e servir à vontade dos homens e ainda achar tudo isso natural. É através disso que enfraquecem a nossa autoestima para possibilitar aos homens o controle sobre essa autoestima e sobre nós - desde a infância, nós somos induzidas a facilitar todo o trabalho de dominação deles sobre nós conforme vamos sendo massacradas e ouvindo a sociedade todas nos dizer que temos que agradecer cada elogio, cada assédio e cada investida de um homem - mesmo quando nós não gostamos, ficamos constrangidas ou não nos sentimos confortáveis com elas.





sábado, 13 de junho de 2015

SOBRE A POLÍTICA DE IDENTIDADES QUEER

TEXTO EM CONSTRUÇÃO.

Um dos maiores poderes, privilégios, do dominador é deter os meios de produção de narrativas e discursos, de produção de sentido para a realidade. O dominador, o homem branco, tem, há séculos, o domínio e a hegemonia sobre a produção da História, da Ciência, da Literatura, das Artes, enfim, de todas as formas de nomear e produzir sentido para o mundo, para a realidade. A partir disso, o homem branco se torna e se mantém como o centro, o referencial, dessa produção de sentido e tudo que existe vai ser dito e nomeado por ele, a partir dele e a partir de sua lógica de autocentralização. Assim, é o homem branco que define tudo que existe no mundo para além do home branco, que define o que todas as outras coisas são, e, sim, elas são coisas, no processo de formação do Sujeito do homem branco, todos os outros seres existentes são percebidos por ele como objetos do sujeito que esse homem autocentrado e produtor de sentido pra tudo é. É o homem branco que sempre nomeou e definiu e ainda nomeia e define o negro, a mulher, o indígena, a criança, os animais e a tudo que existe; é o homem branco que também nomeia e define a realidade que ele mesmo impõe aos negros, às mulheres, aos indígenas, aos animais e a tudo que existe.

Esse é um poder tremendo: o poder de dizer, de nomear e de definir o que o outro é e o poder de dizer, de definir e de nomear a realidade que o outro experimenta. Assim, podemos observar que tudo que foi produzido até hoje sobre negros, mulheres e indígenas é, na verdade, a nomeação e definição que o homem branco faz desses objetos. Tudo que foi produzido até hoje sobre a realidade dessas condições é o que convém ao homem branco dizer sobre elas: o negro não foi escravizado, ele é escravo; a mulher é naturalmente frágil, incapaz e inferior; o indígena é bestial e incivilizado; a matança e aniquilamento das populações mesoamericanas é a conquista grandiosa dos homens brancos; a exploração das capacidades reprodutivas da mulher é a naturalização da maternidade como obrigação nossa; a escravização negra é reles dado constituinte inerente ao grandioso encontro de "raças" propiciador da construção da "rica" cultura das Américas. Assim, nunca somos nós, mulheres, negros, indígenas, crianças, que nos dizemos a nós mesmos, que dizemos o que somos, como somos, porque somos o que somos e como chegamos a ser o que somos, ou seja, como nossa realidade nos foi imposta para que chegássemos a ser isso que o dominador diz ser o que  nós somos.

O homem branco deu a si mesmo o poder de definir e nomear o mundo, e, conforme sua conveniência, define e nomeia a si mesmo como centro dele, justamente por ter o poder e o controle para nomeá-lo e, ao defini-lo e nomeá-lo, através de suas narrativas, discursos e categorizações machobrancocentradas, ele cria narrativas e discursos para fazer parecer que a forma como ele nomeia e define os outros é natural, verdadeira, é. Assim, ele constrói, do seu lugar de privilégio discursivo, sua narrativa todinha costurada pra fazer parecer que as coisas que ele nomeia e define a partir de si mesmo e de sua percepção superior sobre si mesmo sempre foram assim, que elas são assim naturalmente, que ele apenas observa e diz sobre elas o que elas são - a [pretensa] "neutralidade" e "objetividade" da Ciência é uma das mais eficazes estratégias do homem branco pra naturalizar suas nomeações e definições sobre os outros - não podendo elas serem outra coisa do que aquilo que ele definiu e nomeou a partir de sua observação como natural.

O homem branco diz tudo e sobre tudo. E, ao dizer, ele cria a realidade, pois cria sentido para o real. E, ao criar sentido para o real, ele realiza o real como real, dizendo sobre o real o que ele faz crer que o real é: aquilo que ele diz sobre. Dessa forma, todo o real nomeado e dito pelo homem branco passa a ser real e, desta forma, todos nós que somos ditos e nomeados pelo homem branco passamos a ser real dentro da perspectiva em que somos ditos e nomeados como real. Assim vamos sendo privados de ser outra coisa que não essa realidade dita e naturalizada como real pelo homem. E, privados da possibilidade de encontrar caminhos e instrumentos para dizer nós mesmos o que nós somos e sobre a realidade que vivemos, vamos sendo e vivendo o que o homem branco diz e nomeia sobre nós.

Quando nos organizamos - mulheres, negros, indígenas etc - em espaços e grupos exclusivos de protagonismo sobre nossas lutas e nossa realidade, estamos, primeiro, comunicando, deliberada ou não deliberadamente, ao homem branco que, pelo menos em um lugar não vamos mais permitir que ele diga o que somos e que ele diga sobre a realidade que vivemos. Quando nos organizamos, estamos comunicando ao homem branco que há um lugar, um único lugar no mundo, onde a produção de sentido que ele doa ao mundo não faz sentido, ou seja, não é relevante e não produz sentido sobre nós e nossas realidades. Nesses espaços, estamos recriando nossas memórias coletivas, nossas tradições, nossos saberes ancestrais, nossa cultura, nossa identidade, a partir de nós mesmos, do somos e do que experimentamos como realidade, e não do que o homem branco diz sobre nós.

Isso é muito, muito, muito perigoso. Porque tira o homem branco do centro da produção de sentido para o mundo e para a realidade. Isso é muito perigoso porque rouba do homem branco a exclusividade e a hegemonia de poder dizer o que as coisas são. Isso é muito perigoso porque permite aos grupos dominados compreenderem-se a partir da própria perspectiva e dizerem ao homem branco: "Não, nós não somos isso que você diz que nós somos" e "Não, a nossa realidade não é essa que você diz que vivemos e cujas condições você aponta". E quando se faz e se diz essas coisas, nós estamos ameaçando o lugar de privilégio e poder do homem branco, porque nós estamos dizendo a ele que já entendemos o que ele faz conosco e que estratégias ele usa pra fazer, nós estamos dizendo a ele, principalmente, que já sabemos que somos definidos, limitados e reduzidos em nossas condições pelas definições que ele faz de nós para poder nos dominar, e que nós não vamos mais permitir isso. E quando dizemos que não vamos mais permitir isso, estamos dizendo a ele que, a partir desse ponto, quem nos nomeia e define a nós e às nossas experiências, passadas e presentes, somos nós e que, portanto, quem vai construir nosso presente e nosso futuro também somos nós. E ninguém que conhece seu passado a partir de sua própria vivência e não do que o outro nos diz sobre ele e que se propõe a construir seu futuro a partir disso se permite ser dominado com a mesma facilidade daquele que se deixa nomear, a si e a sua realidade, pelo outro.

Mas isso o homem branco não pode permitir. Porque isso significa o fim de sua supremacia. Permitir que outros grupos digam e nomeiem a si mesmos, a seu passado, as suas histórias e vivências, permitir que deem sentido a realidade a partir de suas próprias vivências, e não que permitam que suas vivências sejam significadas a partir das definições de realidade de seu dominador, isso é o fim da supremacia discursiva machobranca, porque as multiplas narrativas a partir dos multiplos lugares de fala protagonizados por multiplos sujeitos de suas histórias implica no fim da hegemonia da produção de sentido pelo macho branco eurocentrado.

Portanto, não é à toa que o macho branco precisa invadir esses espaços exclusivos de protagonismo e produção de sentido contra-hegemônicos. O macho branco não pode abrir mão da hegemonia na produção de sentido para a realidade sob pena de ver a si e a sua supremacia reduzidas a um pastiche, a uma piada, e a sua história gloriosa a uma nojenta e sangrenta narrativa de violência, horror e aniquilação. Por toda história das lutas politicas contra a dominação, o macho branco tentou encontrar formas de invadir esses espaços e colonizar os discursos e produções de sentido fomentados neles. No entanto, enquanto espaços organizados contra o macho branco, em algum nível, essa resistência ao macho branco permaneceu e venceu, tanto que estamos, hoje, existindo e resistindo até aqui.

Mas o macho branco não pode, a sua supremacia não admite, não ser o centro de produção de todas as narrativas e de sentido para o mundo. Isso significa o seu próprio fim. Ele não suporta não ser o centro de tudo, ele não suporta que todas as coisas do mundo não seja definidas a partir dele, ele não suporta não ser o doador de sentido para tudo e para todos. E, então, através da teoria queer, ele "transiciona". O macho branco privilegiado e dominante, que dizia e nomeava a tudo e a todos, privado progressivamente de dizer e nomear a tudo e a todos, obrigado a aceitar que não é o referencial para produção de sentido pra tudo, que nem tudo diz respeito a ele, que nem todos estão se curvando de joelhos sob ele, mas que estamos, nós, a partir de nós mesmos, contando nossas histórias, construindo nossas memórias, reelaborando nossas tradições, e que nelas ele não é a suprema, sábia e grandiosa figura central que acredita ser, mas uma criatura nojenta, perversa, aniquiladora - um dominador explorador -, ele não pode com isso, ele não pode permitir isso, ele não pode permitir a essas pessoas, a esses grupos de pessoas, que elas digam de si a partir de si mesmas e, principalmente, que elas digam a partir de si mesmas o que ele é. Isso não pode acontecer, o homem branco não pode permitir isso, ele não pode ser privado de estar nesses lugares, ele precisa vetar essa produção livre e legitima de sentido para o mundo. E, aí, o liberalismo e sua ideologia de sacralização do individuo e de exaltação da vontade individual como valor supremo da humanidade cria, através da teoria queer, o discurso das identidade fluídas, das transidentidades, da autoidentificação: o dominador pode ser o que ele quiser e, portanto, pode estar onde ele quiser, onde antes lhe era vetada a existência política e social. Assim, o dominador assume a identidade do dominado - legitimado pela ideologia liberal de que a vontade individual está cima de todos os valores e direitos e não pode ser negada ao sujeito - ele "transiciona" pro lugar social que antes lhe era vetado como ilegitimo e passa a ter  legitimidade pra, novamente, nomear, dizer e produzir sentido pra uma condição que ele não vivencia, não vivenciou e nunca vivenciará. Novamente, o macho branco [e seu séquito machobrancocentrado] está produzindo sentido para o mundo e nomeando e dizendo sobre pessoas e grupos sociais o que eles são. E, assim, eles serão, a partir da experiência do machobranco e não mais da própria. E, assim, o macho branco silencia e aniquila, controlando com sua produção de sentido machobrancocentrada, toda produção de sentido diversa a que ele confere ao mundo.

VAMOS FALAR SOBRE O QUE NINGUÉM QUER FALAR?

Eu não tenho medo: DISCURSO DE TRANSGENERIDADE É ESTRATÉGIA PATRIARCAL DE CONTROLE, MEDO E SILENCIAMENTO DE MULHERES

Travestis e transgêneros têm reivindicado [e conseguido], cada vez mais e com mais força discursiva e política, o direito a espaços exclusivos conquistados com muita luta pelas mulheres que vieram antes de nós. Pequenos e parcos espaços dentro da sociedade patriarcal - que nos nega todos os espaços na sociedade porque precisa nos manter apenas escravizadas e limitadas ao espaço doméstico - que foram conquistados com muita luta para nos garantir alguma segurança diante de toda violência que somos vítimas nessa bosta: banheiros femininos, vestiários, prisões, categorias femininas organizadas, categorias femininas em lutas desportivas e em esportes... espaços que estão sendo violados por homens que afirmam que ser mulher é "se sentir" uma, que ser mulher é um "sentimento" e não uma condição material e histórica imposta pela sociedade patriarcal a pessoas que são identificadas por suas vaginas e experimentada desde o nascimento como violência sobre nossos corpos e limitação de nossas potencialidades, capacidades e sexualidade.


Tamikka Brents fala sobre a luta contra [transexual] Fallon Fox “Eu nunca me senti tão dominada”

Travestis são acusados de expulsar prostitutas

Travestis e transexuais presos poderão escolher ir para ala feminina de penitenciárias do Rio

Pessoas trans e travestis poderão escolher o banheiro e vestiário que usarão



Travestis e transexuais são socializados para reagir, para se defender com uso de sua força física, reagem, inclusive, contra agressões de outros homens; comumente, expulsam mulheres, por meio da força física e da coação, dos pontos de prostituição onde desejam se instalar, podem machucar fortemente até mesmo uma lutadora com um preparo físico que nenhuma mulher "comum" tem. Agora, imaginem a situação numa prisão, onde, inclusive, aqueles que nem foram operados, ou seja, que ainda podem estuprar, vão conviver com mulheres e disputar poder de forma ainda mais cruel e brutal do que em todos os outros espaços da sociedade em que a violência física e o estupro já são armas consagradas de coação e silenciamento de mulheres?

A socialização é o processo pelo qual se fundamenta o Sujeito/Sujeita das pessoas, é a forma como a pessoa é ensinada a ser "eu", a compreender a si mesma e ao outro. A socialização de pessoas que nascem com pênis, mais que uma socialização que as ensina a vestir certos tipos de roupas e cultivar determinada aparência física socialmente convencionada como masculina, é uma socialização que ensina essas pessoas a serem sujeitas de seus corpos, de suas subjetividades, de suas narrativas e discursos e, assim, autoriza, afirma e reafirma que essas pessoas podem produzir conhecimento e nomear a si mesmas e ao mundo como quiserem; uma socialização que as ensina a reagir diante de uma ameaça, porque ensina a elas que seus corpos e sua subjetividade são seus, lhes pertencem, e não são objetos do Sujeito do outro, portanto não podem ser violados; assim como ensina a elas que, na nossa sociedade misógina e falocentrada, por portarem um pênis, elas estão autorizadas a odiar, agredir, violar e matar mulheres, caso assim desejem. A socialização feminina é aquela que, mais do que determinar que roupas devemos vestir e como devemos nos aparentar fisicamente, ensina pessoas nascidas no sexo feminino que elas não são sujeitas de seus corpos, de suas subjetividades, de suas narrativas e discursos e, assim, que essas pessoas não podem produzir conhecimento e nomear a si mesmas e ao mundo como quiserem, mas que devem se submeter as nomeações e aos sentidos que os homens dão ao mundo e a elas; que as ensina a não reagir diante de uma ameaça, mas a temer e a não desafiar o seu algoz, porque ensina a elas que seus corpos não são seus, não lhes pertencem, mas são objetos do Sujeito do outro, do Sujeito falocentrado, e portanto podem ser violados e objetificados; que ensina a elas que, na nossa sociedade misógina, são elas que são passíveis de serem odiadas, agredidas, violadas e mortas, independente de suas vontades, já que são objetos do sujeito do outro, e não sujeitas de si mesmas.

Travestis e transmulheres possuem fisiologia masculina e recebem socialização destinada a homens, ou seja, socialização para serem sujeitos de si e para introjetarem misoginia em relação às mulheres e objetificá-las.

Travesti agride mulher em bar por ciúmes do companheiro

Travesti mata mulher com golpes de gargalo de garrafa no Educandos

Idosa agredida por travesti teve traumatismo craniano e ferimentos em todo o corpo



A SOCIALIZAÇÃO EXISTE e ela não falha.

Vamos fingir que não estamos vendo isso, que não entendemos isso, que não tememos isso, que não queremos isso? Vamos fingir, mais uma vez, e como sempre, que não corremos riscos, que não estamos sendo privadas e violadas? Vamos fingir, mais uma vez, e como sempre, que não estamos passando por isso tudo e permanecendo em silêncio por medo de desagradar os homens e não ter o reconhecimento deles de que somos boas mulheres? Por medo de enfrentá-los, de aborrecê-los, de sermos insubmissas e não ganhar o reconhecimento e a empatia deles? Vamos nos por em risco, perder espaços, nos privar de dizer e nomear a nós mesmas por medo de não sermos boas mulheres, de não sermos silenciosas e obedientes como o patriarcado espera? Vamos fingir que não estamos com medo e em silêncio porque um grupo de pessoas socializadas numa sociedade falocentrada e misógina para ter poder sobre nós está nos dizendo que não podemos ter espaços exclusivos e não podemos nomear a nós mesmas porque são eles que irão fazer isso a partir de agora porque "se sentem" como nós? Não esqueçam: o medo e o silenciamento são as estratégias mais antigas do patriarcado contra nós.

Veja bem, não negamos que pessoas consideradas transexuais sofrem violências e opressões, não negamos a essas pessoas o direito a autorganização e protagonismo em suas lutas, não negamos o direito a essas pessoas de não serem mortas, agredidas, estupradas, sexualmente exploradas (até porque, quem somos nós, mulheres, pra sermos capaz de negar ou autorizar alguma coisa a qualquer categoria de gentes, né?) - NÃO SOMOS NÓS, MULHERES, que negamos esses direitos a essas pessoas, que as agredimos, espancamos, matamos, exploramos, SÃO OS HOMENS! O que nós, mulheres, negamos a essas pessoas é a nossa autorização para que elas definam e pautem o que é ser mulher e pare que acessem nossos espaços conquistados a duras penas na sociedade patriarcal, e negamos isso justamente porque esse direito É NOSSO e nos vem sendo negado há milênios pelo patriarcado, e por isso mesmo - e não por outro motivo - o feminismo foi criado.

Negar a autorização a transmulheres para definirem o que é ser mulher e não permitir a elas acessar espaços exclusivos femininos NÃO é ser "contra a luta das pessoas trans", é ser a favor do direito, da voz, da segurança e do protagonismo das mulheres. Ser mulher não é um "sentimento", é uma CONDIÇÃO ESPECÍFICA, VIOLENTA E LIMITADORA imposta por homens e pela sociedade patriarcal a pessoas identificadas como mulheres por seu sexo feminino para que possam ter sua subjetividade, sua sexualidade, seus corpos e suas capacidades reprodutivas dominadas e exploradas para gerar poder e riqueza para os homens.

O "sentimento" dos homens NÃO pode ser mais importante que a segurança das mulheres - e quando isso acontece, não se chama feminismo, se chama PATRIARCADO.


quinta-feira, 11 de junho de 2015

VESTÍGIOS DE UMA ANTIGA CIVILIZAÇÃO


Como todos os grupos humanos que se identificam através de semelhanças entre si, nós, mulheres, temos uma cultura, porque nos assemelhamos. Nós a construímos, desde o passado, uma cultura fundada na materialidade de nossos corpos e nossas experiências comuns e sua relação com o real. Uma cultura que nos fez significar o mundo, produzir sentidos e conhecimentos sobre ele, nomear e dizer a nós mesmas, a nossas vivências, em nossos processos, nossas capacidades, nossas potências - e desenvolvê-las.

Mas um projeto de poder e dominação pressupõe a dominação e aniquilação de uma cultura, aquela cujos constituintes serão dominados, controlados e explorados. E é isso que os homens têm imposto a nós: eles se apropriaram de nossos discursos, de nossos saberes, nossas significações, passaram a controlá-las, a aniquilar, a reelaborar, tomaram pra si, e como seu, tudo que nós produzimos, e nos vetaram o direito a ela, a nossa cultura, a nossa produção, aos nossos saberes - e a nossos corpos, que são a primeira e mais fundamental expressão de nossos seres individuais e coletivos no mundo, nossa primeira forma de experimentar o mundo, conhecê-lo e dizê-lo, e produzir saberes e sentido sobre ele.

Eles, os homens, nos tem vetado, há milênios, esse direito. Tem violado, aniquilado, apagado, exterminado, há milênios, nossa cultura.

Mas também há milênios, nós resistimos. Há milênios, algumas de nós lutamos, nos recusamos a nos dobrar: resistimos. Vamos sendo agredidas, estupradas, mortas, queimadas, encarceradas, mas: resistimos. E essa resistência, essa luta, tem deixado vestígios, indícios, pequenos focos de significados, de memórias, de experiências, que nos indicam um caminho, um caminho pra nos encontrarmos a nós mesmas, e toda liberdade, potência e humanidade que nos têm sido negadas. Um caminho para nossa tradição, a tradição de uma cultura inteira, e completa, e complexa, que nos tem sido negada.

O movimento das mulheres, a luta das mulheres, não é somente uma luta no campo da política mais vulgarmente compreendida [por direitos fundamentados na noção de direitos e justiça do Estado patriarcal], mas é um movimento de construção de uma ética, de uma episteme, de uma racionalidade, de um mundo novo, é o movimento de retomada contínua e incessante, de reconstrução, daquilo que nos vem sendo negado há milênios pela negação de nossa própria cultura: o direito de Ser e de dizer, nós mesmas, o que Somos.

Resistimos. Há milênios resistimos. Sob os cadáveres de nossas iguais, sob seus corpos mutilados e feridos, sob o sangue derramado das mulheres que nunca desistiram de Ser, porque sabiam de tudo que eu escrevo aqui: nós resistimos. Vocês não conseguiram e não conseguirão. Fodam-se os homens. Fodam-se vocês, seus aniquiladores malditos.

A cultura masculina é a cultura da morte, do medo, do desterro, da aniquilação.

A cultura feminina é a firmação da vida, da liberdade, da criação.

O tempo de vocês está acabando. Nós resistimos há milênios - vocês não conseguiram. E venceremos.


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Esse texto é um desdobramento da leitura de um texto maravilhoso de uma de minhas escritoras preferidas, a Natacha Orestes, que pode ser lido aqui no face dela.

Natacha também tem um blog, com mais escritos verdadeiramente grandiosos e importantes, o milfwtf.


BUCETISMO SIM

Manas, olha só, uma vagina não é somente um buraco que carregamos entre as pernas. Uma vagina é um símbolo: um símbolo de uma história milenar de uma classe de pessoas que, ao serem identificadas por nascer com uma vagina, aprendem desde cedo a odiá-la e a odiar a tudo que está relacionado à ela: a menstruação, a maternidade, a sexualidade, o prazer;  aprendem a vê-la, a vagina e seus processos naturais, como imorais e sujos, a ver o próprio prazer e sexualidade como imoral, sujo, perverso, e a entender que nossa vagina e nossa sexualidade só podem existir e serem anunciadas se forem para servir aos homens - a classe de pessoas que portam o pênis - e que, caso contrário, deve ser escondida, silenciada, amaldiçoada, imoralizada. A vagina não é apenas uma fisiologia, um dado, um aspecto físico e formal, a vagina e a vulva são símbolos através dos quais somos classificadas pelo patriarcado como mulheres e ensinadas a nos odiar, a nós, a nossos corpos, ao nosso sexo e a nossa sexualidade e nossos processo naturais, a nos ver como inferiores e incapazes em relação aos homens, a naturalizar nossa inferiorização, nossa submissão e nossa objetificação ao mesmo tempo em que somos ensinadas sobre quem é superior, quem deve ser valorizado e o que devemos adorar e idolatrar: o pênis e os homens - aqueles que nos é ensinado que, justamente por não portarem vagina, mas pênis, são superiores e tem direitos sobre nós e nossos corpos.

Uma vagina é uma instituição, uma história, um símbolo, de classificação, redução, limitação, dominação e exploração histórica e milenar de uma classe de pessoas por outra, mas também da luta e da resistência histórica e milenar dessas pessoas em nome de sua dignidade e liberdade.

E nenhum procedimento cirúrgico é capaz de construir uma vagina. NENHUM. Um buraco artificialmente construído no meio das pernas NÃO é uma vagina.

Amem suas vaginas. Imponham suas vaginas! Ergam suas vaginas! Resistam!




OMEXPLICANISMO

Manas, tem ome que é tão importante, tão sabedor, mas tão sabedor, que se tu falar alguma coisa pra ele sobre xereca ele vai querer te dar uma explicação sobre o assunto. Talvez até te indique um bom livro pra você entender melhor o tema.



domingo, 7 de junho de 2015

RECADO PRAS MANA

Um palavra de alento pra vocês, minhas irmãs queridas:
um homem que te coage, te assedia, te manipula, te agride, te subjuga, te silencia, te diminuiu, esse homem, minha amiga, ELE NÃO TE AMA. Ele te domina e te submete.
E você, mulher, você foi educada a vida toda pra crer que quanto mais um homem domina e submete uma mulher, mais ele a ama, mas isso não é amor, isso é PATRIARCADO.
Se você acredita que isso é amor e que você está apaixonada ou que você pode amar um homem que te coage, te assedia, te manipula, te agride, te subjuga, te silencia, te diminuiu, você é uma mulher muito ADOECIDA pelo patriarcado.
Te desejo muita força e coragem pra sair dessa. 



sexta-feira, 5 de junho de 2015

FEMINISMO

Sabe qual é um dos fardos mais pesados de séculos e décadas de uma educação desde o nascimento nos forjando como o Outro, como o Segundo Sexo, como o Objeto em relação ao Sujeito da realidade e da História, o homem? É que dentro desse lugar sempre precisaremos do aval, da aceitação, do reconhecimento, da palavra e da definição deles pra nos reconhecermos a nós mesmas como sendo algo. E sempre algo dentro do que eles nos impõem sobre o que é ser o Outro - ou seja; sempre o Segundo Sexo, algo que nem chega a ser humano. Ser livre é caminhar pra se reconhecer em outras linguagens, em outras realidades, em outros diálogos, em outros olhos.
Esqueçam os homens e suas opiniões e impressões (não só sobre as mulheres, mas sobre o mundo); mulheres: reinventem tudo que puderem, inclusive, e principalmente, a si mesmas e as suas relações.


FEMINISMO PÓS-MODERNO

Não pode: mencionar, debater, falar de buceta, vagina, xota, útero, ovários, gravidez, maternidade, menstruação, aborto, porque é opressão "cisgênera" e TW contra trans.
Pode: mencionar, falar, debater sobre ter pênis, tirar pênis, colocar pênis, o que fazer e como lidar com pênis, como fazer pra aceitar pênis em espaços exclusivos, como fazer lésbicas aceitarem se relacionar com pênis, como fazer o feminismo aceitar pênis.
Cês tão de sacanagem comigo, né manas?


SOBRE FEMINISMO RADICAL E AS ALCUNHAS MISÓGINAS DE "TERF" E "TRANSFOBIA"

Todo mundo sabe que as opressões e preconceitos e intolerâncias na nossa sociedade são diversas e de diferentes formas contra diferentes grupos: mulheres, homossexuais, transexuais, pobres, pessoas negras, indígenas...
O feminismo radical é uma vertente do feminismo que se constrói a partir da ideia que pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas* como mulheres sofrem opressões e violências exclusivas por viverem essas condições. O feminismo radical, assim como diversos outros movimentos sociais e políticos, opera de forma a valorizar e construir espaços exclusivos e protagonismos exclusivos de pessoas do sexo feminino sobre suas pautas exclusivas e contra suas opressões exclusivas. A construção de espaços exclusivos NÃO é uma invenção do feminismo radical, mas uma premissa de todos os movimentos sociais e políticos que buscam a construção do protagonismo de pessoas/grupos identitários/étnicos/políticos sobre suas pautas.
O movimento feminista radical é crítico às teorias de gênero que fundamentam o discurso de autodentificação e indentidades/gêneros fluídos, mas o feminismo radical não autoriza nenhuma pessoa a impedir que outras pessoas se autorganizem e protagonizem suas lutas.
Ninguém acusa (ou ninguém deveria acusar) o movimento negro, que também constrói protagonismos e espaços exclusivos de luta contra a supremacia branca, de ser indígena-excludente, né? Porque todos são capazes de compreender que, apesar de a luta indígena e do povo negro se tocarem em alguns aspectos, como, por exemplo, a orientação contra a supremacia branca, ambos os grupos identitários tem especificidades e precisam protagonizar suas pautas e construir espaços exclusivos como estratégia de resistência.
Por que, então, acusam o feminismo radical de ser trans-excludente? O feminismo radical não é trans-excludente. O feminismo radical não se ocupa de perseguir a autorganização de pessoas trans, de perseguir e negar-lhes direitos, de vetar-lher o direito à sociedade, além disso, o feminismo radical também acolhe e ampara homens transexuais [por entender que, por serem nascidos no sexo feminino, também sofrem a violência da socialização feminina, e sua autoidentificação com o gênero masculino não os livra desse processo, que é mais complexo que simplesmente "escolher" pertencer a um gênero ou outro, pois que gênero, mais que uma escolha, é uma construção política para a dominação de indivíduos socializados a partir do sexo masculino sobre indivíduos socializados a partir do sexo feminino - como um movimento que acolhe homens TRANSEXUAIS pode ser alcunhado de transfóbico senão como uma forma de deslegitimação e silenciamento desse movimento?]. O feminismo radical apenas afirma que pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres sofrem opressões históricas destinadas apenas a pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres e que, portanto, nós temos a liberdade, o direito e o dever, como luta e resistência, como é direito de qualquer outro movimento de resistência e luta política, de construir espaços e protagonismo exclusivos que, também historicamente e não por acaso, nos vem sendo negado.
A sigla TERF [trans exclusionary feminism] nada mais é do que uma alcunha misógina, forjada pelo discurso de manutenção do patriarcado e por seus agentes, para coagir, intimidar mulheres e pra autorizar a agressão e perseguição, inclusive pelo próprio movimento feminista, de pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres, e impedi-las de se autorganizarem e de protagonizarem sua luta e resistência contra o patriarcado.
O termo "cis" também tem a mesma função. O feminismo radical entende que nenhuma pessoa nascida no sexo feminino e socializada como mulher é privilegiada por se "identificar" com seu gênero, NENHUMA. Porque a socialização feminina, aquela que nos impele a nos adequar aos estereótipos de gênero, não é uma escolha, não é um movimento de autoidentificação, mas é uma violência do patriarcado contra pessoas nascidas no sexo feminino, uma violência que sofremos desque nascemos, antes mesmo de poder fazer quaisquer escolhas na nossa vida. Nenhuma mulher "se identifica" com o gênero feminino: o gênero feminino é constituído de uma série de ritos e convenções IMPOSTAS VIOLENTAMENTE a pessoas que nascem com uma VAGINA para permitir a pessoas nascidas no sexo masculino nos subjugar, nos violar, explorar, acessar nossos corpos, controlar nossa sexualidade, nosso comportamento, nosso processo reprodutivo e manter, assim, a supremacia masculina sobre nós.
Dizer que existe um privilégio cisgênero ou que determinado feminismo é TERF serve apenas para pulverizar as pautas feministas que dizem respeito a essas opressões mais fundamentais do patriarcado contra pessoas nascidas no sexo feminino [a maternidade compulsória, a heterossexualidade compulsória, o ódio aos corpos feminino, à vagina e tudo que é ligado a nossa corporeidade etc], colocando-as em segundo plano, e até mesmo vetando e proibindo seu debate, como tem acontecido quando se diz que falar de vagina no feminismo é transfóbico porque oprime pessoas trans. Tudo isso é estratégia patriarcal pra, mais uma vez, como tem sido feito desde sempre pelo patriarcado, silenciar mulheres e pra e culpá-las por quererem se impor - a si, a sua existência, a seus corpos amaldiçoados e controlados como "coisas" pelo patriarcado - como como humana no mundo e na sociedade patriarcal.
Mulheres, não caiam nessa. Isso é COLONIZAÇÃO do feminismo pelo patriarcado, isso é estratégia do patriarcado e de seus agentes para nos amedrontar, deslegitimar e nos silenciar! NÃO existe feminismo transfóbico e terf e NÃO existe privilégio cis!
FEMINISTAS RADICIAIS EXISTEM E RESISTEM!
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* A socialização é o processo pelo qual as liberdades e potências individuais são violentamente tolhidas, cerceadas coibidas e podadas para educar, forjar, impelir e obrigar pessoas nascidas com vaginas a se comportarem dentro de determinados papéis sociais, no caso, os construídos e afirmados socialmente a partir da supremacia masculina como "femininos".