terça-feira, 31 de maio de 2016

SOBRE FEMINISMO, FÊMEAS HUMANAS, ETIMOLOGIA E A SOCIOGÊNESE DE NOSSA OPRESSÃO

E CONTRA A COLONIZAÇÃO MASCULINA DE ESPAÇOS E NARRATIVAS FEMINISTAS.

Pessoas do sexo masculino, socializadas a partir do falo, do falocentrismo e da misoginia, sempre definiram o que é ser mulher, o que é a nossa condição. A partir das definições falocentradas da mulher é que surgiu o gênero, o gênero feminino, os estereótipos de gênero. Gênero nada mais é do que: a definição masculina do que é mulher a partir de necessidades e sentimentos centrados nesse sujeito falocentrado. Às mulheres nunca foi dada a possibilidade de definir, nós mesmas, a partir de nossas experiências, o que é a condição feminina. NUNCA. É fundamental pra manutenção do patriarcado nos negar isso e garantir que pessoas do sexo masculino nomeiem, definam e narrem o que é ser mulher, o que é a condição feminina. A diferença é que, antes, eles faziam isso e era patriarcado e hoje fazem isso e chamam de feminismo/transfeminismo.
Agora, não satisfeitos em invadir e nos silenciar dentro do único espaço em que conseguimos conquistar o direito de dizer, narrar e nomear a nós mesmas a partir de experiências que a vivemos materialmente - e não sob a forma de um sentimento subjetivo a partir de um fetiche patriarcal do que seria ser mulher - os homens estão disputando conosco o direito de definir o que é ou não o feminismo: se se ocupar somente de pautas, debates, demandas, opressões e violências que dizem respeito apenas àquelas que, historicamente vem sendo dominadas através de seu sexo, da materialidade de seus corpos, da exploração de suas capacidades reprodutivas, e não contemplar o sentimento de homens, não é feminismo, é cisativismo.

Homens, além de acreditarem que seus sentimentos devem ter prioridade acima da realidade histórica e material que violenta milenarmente o sexo feminino e forja o gênero feminino, querem nos proibir de dizer o que é ser mulher no patriarcado e nos proibir de dizer que colocar como prioridade a segurança, a vida e a integridade de pessoas nascidas sob a materialidade do sexo feminino não é feminismo, é cisativismo.

Há milênios homens vêm nos roubando o direito de dizer nós mesmas o que somos, o que é ser mulher. O único espaço que tínhamos pra isso era o feminismo, agora o poder discursivo e a força colonizadora poderosa da narrativa falocentrada e misógina no patriarcado tem tentado nos impedir também de afirmar que o feminismo é um movimento que luta exclusivamente por causas e pautas relativas às violências que sofremos pela imposição de ser mulher no patriarcado e não por homens, independente de como eles se sentem em suas subjetividades.

A palavra "feminismo" deriva, etimológica, histórica, social e materialmente, do substantivo "fêmea" - que corresponde, numa vasta classificação da diversidade natural, àquelas seres que, na natureza, tem uma característica específica: o sexo feminino. Feminismo, portanto, diz respeito a um movimento de um grupo específico de pessoas que sentindo materialmente em sua vivência cotidiana a hierarquização que os homens promovem das diferenças sexuais naturais pra definir, dominar e explorar o sexo feminino, se voltaram contra esse sistema, de exploração da fêmea humana pelo sexo masculino - daí o movimento FEMINISTA. A exploração das mulheres é sexual. É através da hierarquização das diferenças sexuais que os homens criam e naturalizam a definição de "gênero feminino" e legitimam a Divisão Sexual do Trabalho. A Divisão Sexual do Trabalho pela ideia de gênero feminino é a forma organizada e sistemática pela qual os homens têm mantido a exploração e opressão das mulheres, e ela se dá pelo sexo e não pela identidade de gênero. A exploração das mulheres tem origem no sexo e não no gênero. O gênero é uma estratégia masculina violenta de hierarquização das relações entre machos e fêmeas humanas para a dominação e exploração dessas, e não o fundamento da nossa dominação ou, muito menos, um fenômeno natural com que se possa se identificar ou não.

Feminismo é sobre fêmeas humanas, sobre a exploração de nossos corpos, de nosso sexo, de nossa capacidade de gerar e reproduzir e de tudo o mais que, historicamente, têm se desdobrado a partir dessa raiz, desse fundamento opressor. Isso é o feminismo. O nome do movimento que se ocupa com sentimentos, demandas e subjetividades de pessoas do sexo masculino acima da materialidade dos corpos das mulheres se chama PATRIARCADO.

Portanto, feminismo que se ocupa de pautas, necessidades e sentimentos de pessoas nascidas no sexo masculino NÃO EXISTE. Transfeminismo NÃO EXISTE. Isso é COLONIZAÇÃO do movimento feminista por sujeitos falocentrados, aqueles que sempre foram os sujeitos do discurso, os sujeitos que se instituíram e se autolegitimam uns aos outros na autoridade de definir o mundo e a nossa condição.

Feminismo que se ocupa de sentimentos, vontades e demandas de pessoas pertencentes à casta dominante, à casta que historicamente tem definido, instituído e limitado o sexo feminino a partir das definições de "gênero feminino" não é feminismo, é backlash, é reação patriarcal, independente de como as pessoas do sexo masculino se sentem ou com o que se identificam.

Na mesma linha de pensamento, podemos afirmar que transmisoginia também não existe, transmisoginia também é backlash, é reação patriarcal. A expressão "misoginia" não significa exatamente - ou simplesmente - "ódio às mulheres", mas, antes, e fundamentalmente, a palavra misoginia nomeia o ódio ao SEXO FEMININO e a tudo que diz respeito a ele. E, apenas a partir desse sentido fundamental, é possível compreender e nomear o que é ser mulher no patriarcado, e nenhum outro grupo de pessoas está mais apto ou autorizado a dizer o que é ser mulher do que aquelas que são o sujeito da misoginia: o sexo feminino. "Misoginia" deriva da palavra grega gynè, significa "bainha"; tanto a palavra gynè quanto a palavra vagina - que significa "bainha de guardar espada" -, são definições falocentradas do sexo, da anatomia, do corpo, da condição feminina - e isso é uma característica comum a todas as sociedades patriarcais: definir mulher como "gênero feminino" a partir da redução de nossas especificidades ao desejo, ao corpo, ao sexo masculino. Portanto, podemos dizer que, com toda diversidade regional, cultural e social que perpassa a experiência feminina nas diversas culturas patriarcais, a definição da condição feminina a partir da redução de nossas anatomias, fisiologias e existências à centralidade do falo e do sujeito falocentrado é a característica comum de qualquer pessoa do sexo feminino em qualquer sociedade patriarcal, é o que nos faz mulher. Misoginia é a palavra pra designar, então, o ódio àquilo que é odiado pelo patriarcado e que nos faz mulher: O SEXO FEMININO e tudo que diz respeito a ele. Misoginia, ao mesmo tempo que nomeia o ódio específico ao sexo feminino, traz na sua própria designação todo ódio e desprezo do sexo masculino pelo feminino, definido pelo primeiro a partir de si mesmo como algo que existe em função do pênis, a bainha de guardar a espada - raiz também de toda lesbofobia e potência de aniquilação de lésbicas e suas narrativas. Assim, não pode ser nenhum absurdo dizer que misoginia contra pessoas do sexo masculino também é algo que NÃO EXISTE, que transmisoginia NÃO EXISTE, que insistir nisso também é backlash, reação patriarcal.

Portanto, não é difícil chegar a conclusão de que cisativismo também NÃO EXISTE. O nome do movimento que tem como prioridade exclusiva pessoas nascidas no sexo feminino e suas pautas, demandas e opressões fundamentadas na exploração sexual promovida pelo patriarcado contra pessoas nascidas no sexo feminino e definidas por ele como mulheres é FEMINISMO.

Se você faz parte de um movimento que ignora, silencia e promove o apagamento de tudo isso, da raiz de nossas opressões, do fundamento do qual se desdobram todas as outras práticas de opressão contra nós, saiba: esse movimento não é feminista, na verdade, ele é antifeminista, antimulher.

Eu sou FEMINISTA. Feminista Radical. Minha opressão não tá na identidade de gênero, minha opressão é SEXUAL.

Feministas radiciais existem e resistem. O transativismo não vai nos silenciar. Nós não temos medo da colonização masculina sobre nossos corpos, nosso sexo, nossas práticas, nossos discursos e narrativas, nós a estamos enfrentando há milênios.

domingo, 15 de maio de 2016

SOBRE GASLAITE E MANIPULAÇÃO EMOCIONAL.

O solo linguístico, epistemológico e cognitivo em que os homens constroem suas relações conosco [mulheres] é o solo da maternidade compulsória e da culpa. Eles sabem exatamente como plantar sua dominação sobre nós nesse chão. Cada um deles sabe exatamente como se apropriar de condições e valores historicamente introjetados e naturalizados em nós, mulheres - às vezes até muito antes da chegada de algum deles em nossas vidas -, e como manipular diálogos, gestos e situações pra nos fazer patinar improdutivamente nesse solo sem conseguir fazer prevalecer as nossas razões e nos defender das investidas deles; e, então, eles nos fazem sentir culpadas e responsáveis pelas situações que eles mesmos criam, pelas merdas que eles mesmos fazem e dizem, e, ainda, por nos obrigar a admitir, fazer e falar coisas que, no fundo, sabemos, não merecemos, desejamos ou sentimos vontade de admitir, fazer ou falar. E eles fazem isso sem muito esforço: apenas nos colocando de volta no lugar da culpa e da negligência a nossas próprias razões e sentimentos, quando nós estamos lutando fortemente pra sair desse lugar, quando nós estamos lutando fortemente contra esse chamado ancestral ao qual a história das mulheres e de suas violentas e incapacitantes relações com os homens nos impele a obedecer.

Homens são violentos e dominadores, mesmo quando parecem sensíveis e empáticos a nós. Assim eles nos diminuem, nos reduzem, nos subjugam, nos torturam e adoecem (física e psicologicamente), nos enlouquecem e incapacitam, para, então, legitimar suas próprias ideias, discursos e teorias de que somos naturalmente menos capazes, mais frágeis e emotivas que eles e, em seguida, nos classificar como loucas, exageradas e histéricas a cada vez que tentarmos resistir frente as investidas deles pra nos manipular, agredir e reduzir pra nos fazer caber nesses estereótipos que eles mesmo forjam e nomeiam a partir da condição que eles nos impõem através de suas relações violentas.

Observem, percebam, racionalizem e aprendam a se defender. E, sobretudo: falem!, verbalizem e narrem o que está acontecendo, o que vocês estão percebendo sobre o que eles estão fazendo, desvelem e explicitem as estratégias deles, na cara deles, e reafirmem que não vão sucumbir a elas, justamente porque as conhecem e sabem como funcionam. Não se calem! Confiem nos seus próprios sentimentos e na sua própria capacidade de arrazoar. Aprendam a não duvidar de si mesmas e de seus próprios sentimentos e razões. Sejam firmes!

O gaslaite (gaslighting, no original em inglês) é uma ferramente poderosa que o patriarcado confere aos homens pra adoecer e enlouquecer mulheres.

Sejam fortes, não duvidem de si mesmas!


HETEROSSEXUALIDADE COMPULSÓRIA

A heterossexualidade compulsória adoece de tal forma as mulheres que, numa cultura em que homens nos exterminam massivamente há milênios, nós ainda nos relacionamos afetivamente com eles e não cogitamos sequer amarmos umas as outras. Nos dedicamos em afeto a nossos algozes, a nossos dominadores, a nossos exploradores, a nossos assassinos e temos horror, desprezo, ou damos pouca ou nenhuma atenção ao amor por nossas semelhantes.

Doido, não?


SOBRE ANSIEDADE, DEPRESSÃO E CIÊNCIA E MEDICINA CAPITALISTAS E PATRIARCAIS

Xô contar uma coisa pra vocês. Eu não sou uma louca irresponsável, tapada e idiota que se "recusa a ser ajudada" porque se nega a tomar as drogas alienantes e viciantes que a indústria farmacêutica impõe às pessoas como curas milagrosas e individuais pra sofrimentos causados por doenças sociais e torturas coletivas. Eu sou uma mulher adulta, inteligente e capaz, privilegiada - reconheço - com acesso à informação e ao conhecimento. Existem pesquisas, muitas pesquisas, de gente séria, profissional, dedicada, que questiona e critica radicalmente a forma como a medicina vem conduzindo os estudos sobre as causas e o tratamento de depressão, ansiedade e outros transtornos, e eu estou estudando, pesquisando, lendo, buscando essas pessoas e o que elas tem pra dizer, porque eu não acho que pessoas que se dedicam seriamente, em estudos, em pesquisas, em tempo e esforços pra questionar um cânone - e que são apagadas, negligenciadas e boicotadas por isso - o façam por brincadeira. Eu podia escolher fingir ignorar tudo isso e me deixar drogar por substâncias viciantes e que causam dependência e que de nada - NADA - diferem de todas as outras drogas que não são vendidas nas farmácias, a não ser por questões unicamente de legislação e controle social - no pior sentido que a expressão carrega. Eu podia fingir que acredito que tratar transtorno de depressão e ansiedade com Rivotril e Prozac, ou outra droga qualquer legal e lucrativa pra industria farmacêutica, é muito diferente do que tratar com cocaína e álcool, mas isso seria crer que existe sim alguma diferença fundamental entre essas drogas que não apenas a legislação sobre elas, e eu não acredito nisso. Eu podia fingir que não sei tudo isso e correr pra solução que toda a sociedade apresenta pra mim como uma forma rápida e mágica de alentar minhas dores e angústias e me entupir de drogas, tal qual um dependente de cocaína, mas me achando muito mais inteligente e perspicaz que ele. Eu podia fingir que não sei de tudo isso e sucumbir à oferta de alívio imediato que a indústria das drogas me oferecem quase como um entretenimento. Mas eu não vou. Eu não vou porque eu acredito em mim, na minha força, na minha inteligência e na minha capacidade. E, sobretudo, porque eu não acredito em soluções fáceis pra tratar um problema que me maltrata e que se cria e perdura há quase 30 anos: a violência patriarcal a que sou diariamente submetida.

Compreender como funciona e não sucumbir a uma das empresas mais ricas e poderosas do capitalismo, que se mantém milionária e no poder vendendo seu produto, e que vende seu produto deixando as pessoas doentes e as doenças crônicas em vez de realmente curá-las, também é político, também é luta, também é resistência, também é tratamento, também é importante e necessário.

A indústria farmacêutica está entre as mais ricas e poderosas do mundo, e isso não é à toa, e isso não é pouco, e isso não pode ser ignorado. Fomentam uma ética perversa e violenta - em benefício próprio e em benefício do sistema que a enriquece, o capitalismo -, e que tem norteado a própria ética médica, científica e de toda produção de conhecimento de academias e centros de pesquisas médicas e que não visa outra coisa senão manter as pessoas doentes e sob tratamento o maior tempo possível, para que possam vender seus produtos e continuar lucrando. Até quando vocês vão ignorar isso? Até quando vocês vão achar que é mais confortável e menos doloroso o autoengano?

Rompam com essa merda. Ou admitam que confiam e acreditam na indústria que vocês mesmos afirmam saber que adoece e mata gente porque lucra com isso.

O conhecimento é mais eficaz que qualquer droga. Resistir, criar e fomentar alternativas ao capitalismo e ao patriarcado - e à ciência e à medicina produzidas a partir deles - também é uma forma de cura. Não subestimem as mulheres que o fazem.