sábado, 20 de junho de 2015

SOBRE ESTUPROS E FUNDAMENTOS DE PODER

É fato que homens podem não querer, não desejar mais estuprar mulheres, que podemos impeli-los a ressignificar de tal maneira sua própria cultura a ponto de não quererem mais nos impor essa violência, mas a verdade é que os homens sempre poderão, toda vez que quiserem, voltar a tentar fazê-lo. E nós nunca teremos como saber sobre isso. Por isso nunca poderemos confiar plenamente neles. NUNCA.

SOBRE O AMOR NAS SOCIEDADES PATRIARCAIS

Quando nos impõe a maternidade compulsória e nos socializa para o cuidado e a abnegação, o que a sociedade patriarcal nos ensina é a culpa. Quando nos ensina que a função e as características mais importantes e mais belas da mulher são a maternidade, a generosidade e o cuidado acima de tudo, acima até de si mesmas, ela nos ensina isso para que tenhamos culpa, para que não tenhamos coragem de abandonar nossos homens, nossos irmãos, pais, maridos, filhos, para que a gente sinta culpa cada vez que pensemos em deixá-los, odiá-los, desprezá-los por seus feitos e suas violências, para que tenhamos culpa por pensar em nós mesmas, em nossa integridade, em nossa segurança acima de tudo, e em nós mesmas como todas vítimas das perversões deles, e para que permaneçamos, assim, a seus lados e em suas defesas enquanto sua classe comete todas essas atrocidades contra nós. E assim nós permanecemos, e passamos a eles a falsa mensagem de que os amamos, apesar dos seus feitos horrorosos - e eles se sentem, desta forma, autorizados a fazê-los, a continuar fazendo. Mas o que nós, na verdade, sentimos é medo. Todas nós. Porque fomos socializadas e educadas, desde a infância, desde a estruturação de nossas sujeitas, e por gerações e gerações, a temê-los e a permitir a vocês nos fazerem crer que somos menos sábias, menos capazes, inferiores a vocês, e que, portanto, vocês precisam nos ensinar tudo; e assim nos ensinam que devemos entender que esse temor que sentimos é amor e desejo, quando, na verdade, isso é e sempre será o mais puro, profundo e genuíno medo.

LIBERTEM-SE!

Nós sempre nos sentimos - porque assim fomos socializadas e ensinadas a sentir - mais próximas, admiradas, compadecidas e devotas aos homens do que a nós mesmas - porque também fomos socializadas pra nos odiar. Nada mais esperado que, quando se vistam e se comportem de maneiras que são a nós designadas e impostas, e nos jurem que sabem como "se sente" uma mulher, nós nos sintamos ainda mais próximas e devotas deles. A ponto de continuarmos, com ainda mais benevolência e tolerância, permitindo a eles dizer o que somos.

Mas isso não é outra coisa senão a mesma dominação e colonização de sempre.

Mulheres, libertem-se!

quinta-feira, 18 de junho de 2015

SOBRE AUTOESTIMA, FEMINILIDADE, SENSUALIDADE E DOMINAÇÃO MASCULINA

Hoje eu me lembrei muito fortemente de coisas da minha juventude.

Me lembrei sobre como eu desejava ser alva e ter cabelos loiros e olhos claros, e das coisas que eu passava na pele e no cabelo pra clarear: leite, camomila, água oxigenada, água de arroz, creme Minâncora, leite de rosas e uma lista infinita de coisas, de químicas, de porcarias - qualquer coisa que me indicassem. Lembrei de como eu odiava meu corpo, me acha gorda, feia, odiava minha barriga, minhas pernas, minha bunda, meu rosto: o nariz grande demais, a boca grande demais, as sobrancelhas grossas demais - logo comecei a arrancá-las - os olhos muito pequenos e caídos. Também comecei a odiar todos os meus pelos: sempre tive braços e pernas muito peludas, cheguei a passar coisas pra clarear, mas, muitas vezes, virei motivo de chacota, então comecei a usar a lâmina muito cedo e, logo que surgiu, me submeti à tortura da depilação com cera. Durante toda a  adolescência e juventude, eu lia todas aquelas revistinhas de merda que fazem para as meninas adolescentes e, depois, para mulheres: Carícia, Capricho, e, depois, Marie Claire, Cláudia, e sei lá mais quais; eu cresci na década de 80/90, no auge dessa cultura de celebração das supermodelos; então, eu lia/via sobre o mundo fantástico das modelos em tudo que é lugar, tinham muitas matérias sobre isso, sobre como se tornar uma top model, como ingressar na carreira de modelo, como era maravilhoso ser modelo e sobre como é incrível e poderoso uma mulher ser tão linda a ponto de ser modelo e ter tanto poder simplesmente por sua beleza, eu lia isso tudo nas revistas e tudo era reafirmado na TV, nas novelas, nos anúncios publicitários... e sempre eram mulheres muito magras, loiras, olhos claros, traços europeizados... e eu me achava horrorosa, sempre. E muitas vezes eu chorava, escondida, triste, porque não era magra o suficiente, clara o suficiente, bonita o suficiente, sedutora o suficiente, popular o suficiente, desejada o suficiente. E odiava meu corpo, cada vez mais. Comecei a fazer dietas pra emagrecer, todos os tipos de dietas nocivas, passava semanas sem comer nada, até passar mal de fraqueza, desenvolvi bulimia e passei a comer e forçar vômito, em silêncio, sem o conhecimento de ninguém, eu comia, comia, comia, chorava de angústia e forçava vômito, pra descobrir que nem aquilo me faria sentir melhor, e me sentia péssima, de novo: feia, gorda, horrorosa, fraca e doente. Aprendi, depois, como odiar ainda mais meu corpo: através do contato com a pornografia e a nudez mercadológica de mulheres, aprendi a odiar meus seios e meu sexo: os seios ora eram grandes demais, ou pequenos demais, as auréolas escuras eu pintava frequentemente canetinha rosa, minha vulva tinha pelo demais, era grande demais, escura demais, os pequenos lábios me incomodavam, e eu jurei que quando tivesse grana iria reduzi-los, cheguei muitas vezes, num ritual macabro que talvez muitas mulheres/meninas conheçam, a colocá-los entre as lâminas da tesoura e forçar um pouco - do mesmo jeito que fiz, muitas vezes, com a pele e gordura da barriga que segurava entre os dedos enquanto ajeitava a tesoura ou uma faca e simulava o corte.

Por muitas vezes pensei em morrer, em me mutilar. Muitas vezes chorei sem ter noção da razão, apenas por uma imensa tristeza e sentimento de inadequação.

Até que eu aprendi a me objetificar. Eu entendi que, mesmo sendo gorda, feia, horrorosa, eu podia oferecer meu corpo e meu sexo aos homens com determinadas estratégias, que eu observava na TV, nos filmes, em outras mulheres, e que eles não iam rejeitar. E, então, pelo menos por alguns momentos, eu me sentia poderosa: eu me objetificava ao extremo, desde minha aparência até meus comportamentos, e cedia a eles, sem nenhuma resistência - muitas vezes contra minha vontade, mas eu não poderia dizer não e correr o risco de ser rejeitada - tudo que eles queriam. Era assim eu conseguia a aprovação deles e realizava a função mais importante que me foi ensinada a ter enquanto mulher: ser desejada por homens.

E eu sou uma mulher branca.

E eu posso apenas imaginar, talvez apenas uma leve ideia, do que passam as meninas negras.

A destruição de nossas autoestimas através de padrões de beleza, os estereótipos de feminilidade e o conceito de sensualidade servem para nos ensinar, desde jovens, a nos objetificar e servir à vontade dos homens e ainda achar tudo isso natural. É através disso que enfraquecem a nossa autoestima para possibilitar aos homens o controle sobre essa autoestima e sobre nós - desde a infância, nós somos induzidas a facilitar todo o trabalho de dominação deles sobre nós conforme vamos sendo massacradas e ouvindo a sociedade todas nos dizer que temos que agradecer cada elogio, cada assédio e cada investida de um homem - mesmo quando nós não gostamos, ficamos constrangidas ou não nos sentimos confortáveis com elas.





sábado, 13 de junho de 2015

SOBRE A POLÍTICA DE IDENTIDADES QUEER

TEXTO EM CONSTRUÇÃO.

Um dos maiores poderes, privilégios, do dominador é deter os meios de produção de narrativas e discursos, de produção de sentido para a realidade. O dominador, o homem branco, tem, há séculos, o domínio e a hegemonia sobre a produção da História, da Ciência, da Literatura, das Artes, enfim, de todas as formas de nomear e produzir sentido para o mundo, para a realidade. A partir disso, o homem branco se torna e se mantém como o centro, o referencial, dessa produção de sentido e tudo que existe vai ser dito e nomeado por ele, a partir dele e a partir de sua lógica de autocentralização. Assim, é o homem branco que define tudo que existe no mundo para além do home branco, que define o que todas as outras coisas são, e, sim, elas são coisas, no processo de formação do Sujeito do homem branco, todos os outros seres existentes são percebidos por ele como objetos do sujeito que esse homem autocentrado e produtor de sentido pra tudo é. É o homem branco que sempre nomeou e definiu e ainda nomeia e define o negro, a mulher, o indígena, a criança, os animais e a tudo que existe; é o homem branco que também nomeia e define a realidade que ele mesmo impõe aos negros, às mulheres, aos indígenas, aos animais e a tudo que existe.

Esse é um poder tremendo: o poder de dizer, de nomear e de definir o que o outro é e o poder de dizer, de definir e de nomear a realidade que o outro experimenta. Assim, podemos observar que tudo que foi produzido até hoje sobre negros, mulheres e indígenas é, na verdade, a nomeação e definição que o homem branco faz desses objetos. Tudo que foi produzido até hoje sobre a realidade dessas condições é o que convém ao homem branco dizer sobre elas: o negro não foi escravizado, ele é escravo; a mulher é naturalmente frágil, incapaz e inferior; o indígena é bestial e incivilizado; a matança e aniquilamento das populações mesoamericanas é a conquista grandiosa dos homens brancos; a exploração das capacidades reprodutivas da mulher é a naturalização da maternidade como obrigação nossa; a escravização negra é reles dado constituinte inerente ao grandioso encontro de "raças" propiciador da construção da "rica" cultura das Américas. Assim, nunca somos nós, mulheres, negros, indígenas, crianças, que nos dizemos a nós mesmos, que dizemos o que somos, como somos, porque somos o que somos e como chegamos a ser o que somos, ou seja, como nossa realidade nos foi imposta para que chegássemos a ser isso que o dominador diz ser o que  nós somos.

O homem branco deu a si mesmo o poder de definir e nomear o mundo, e, conforme sua conveniência, define e nomeia a si mesmo como centro dele, justamente por ter o poder e o controle para nomeá-lo e, ao defini-lo e nomeá-lo, através de suas narrativas, discursos e categorizações machobrancocentradas, ele cria narrativas e discursos para fazer parecer que a forma como ele nomeia e define os outros é natural, verdadeira, é. Assim, ele constrói, do seu lugar de privilégio discursivo, sua narrativa todinha costurada pra fazer parecer que as coisas que ele nomeia e define a partir de si mesmo e de sua percepção superior sobre si mesmo sempre foram assim, que elas são assim naturalmente, que ele apenas observa e diz sobre elas o que elas são - a [pretensa] "neutralidade" e "objetividade" da Ciência é uma das mais eficazes estratégias do homem branco pra naturalizar suas nomeações e definições sobre os outros - não podendo elas serem outra coisa do que aquilo que ele definiu e nomeou a partir de sua observação como natural.

O homem branco diz tudo e sobre tudo. E, ao dizer, ele cria a realidade, pois cria sentido para o real. E, ao criar sentido para o real, ele realiza o real como real, dizendo sobre o real o que ele faz crer que o real é: aquilo que ele diz sobre. Dessa forma, todo o real nomeado e dito pelo homem branco passa a ser real e, desta forma, todos nós que somos ditos e nomeados pelo homem branco passamos a ser real dentro da perspectiva em que somos ditos e nomeados como real. Assim vamos sendo privados de ser outra coisa que não essa realidade dita e naturalizada como real pelo homem. E, privados da possibilidade de encontrar caminhos e instrumentos para dizer nós mesmos o que nós somos e sobre a realidade que vivemos, vamos sendo e vivendo o que o homem branco diz e nomeia sobre nós.

Quando nos organizamos - mulheres, negros, indígenas etc - em espaços e grupos exclusivos de protagonismo sobre nossas lutas e nossa realidade, estamos, primeiro, comunicando, deliberada ou não deliberadamente, ao homem branco que, pelo menos em um lugar não vamos mais permitir que ele diga o que somos e que ele diga sobre a realidade que vivemos. Quando nos organizamos, estamos comunicando ao homem branco que há um lugar, um único lugar no mundo, onde a produção de sentido que ele doa ao mundo não faz sentido, ou seja, não é relevante e não produz sentido sobre nós e nossas realidades. Nesses espaços, estamos recriando nossas memórias coletivas, nossas tradições, nossos saberes ancestrais, nossa cultura, nossa identidade, a partir de nós mesmos, do somos e do que experimentamos como realidade, e não do que o homem branco diz sobre nós.

Isso é muito, muito, muito perigoso. Porque tira o homem branco do centro da produção de sentido para o mundo e para a realidade. Isso é muito perigoso porque rouba do homem branco a exclusividade e a hegemonia de poder dizer o que as coisas são. Isso é muito perigoso porque permite aos grupos dominados compreenderem-se a partir da própria perspectiva e dizerem ao homem branco: "Não, nós não somos isso que você diz que nós somos" e "Não, a nossa realidade não é essa que você diz que vivemos e cujas condições você aponta". E quando se faz e se diz essas coisas, nós estamos ameaçando o lugar de privilégio e poder do homem branco, porque nós estamos dizendo a ele que já entendemos o que ele faz conosco e que estratégias ele usa pra fazer, nós estamos dizendo a ele, principalmente, que já sabemos que somos definidos, limitados e reduzidos em nossas condições pelas definições que ele faz de nós para poder nos dominar, e que nós não vamos mais permitir isso. E quando dizemos que não vamos mais permitir isso, estamos dizendo a ele que, a partir desse ponto, quem nos nomeia e define a nós e às nossas experiências, passadas e presentes, somos nós e que, portanto, quem vai construir nosso presente e nosso futuro também somos nós. E ninguém que conhece seu passado a partir de sua própria vivência e não do que o outro nos diz sobre ele e que se propõe a construir seu futuro a partir disso se permite ser dominado com a mesma facilidade daquele que se deixa nomear, a si e a sua realidade, pelo outro.

Mas isso o homem branco não pode permitir. Porque isso significa o fim de sua supremacia. Permitir que outros grupos digam e nomeiem a si mesmos, a seu passado, as suas histórias e vivências, permitir que deem sentido a realidade a partir de suas próprias vivências, e não que permitam que suas vivências sejam significadas a partir das definições de realidade de seu dominador, isso é o fim da supremacia discursiva machobranca, porque as multiplas narrativas a partir dos multiplos lugares de fala protagonizados por multiplos sujeitos de suas histórias implica no fim da hegemonia da produção de sentido pelo macho branco eurocentrado.

Portanto, não é à toa que o macho branco precisa invadir esses espaços exclusivos de protagonismo e produção de sentido contra-hegemônicos. O macho branco não pode abrir mão da hegemonia na produção de sentido para a realidade sob pena de ver a si e a sua supremacia reduzidas a um pastiche, a uma piada, e a sua história gloriosa a uma nojenta e sangrenta narrativa de violência, horror e aniquilação. Por toda história das lutas politicas contra a dominação, o macho branco tentou encontrar formas de invadir esses espaços e colonizar os discursos e produções de sentido fomentados neles. No entanto, enquanto espaços organizados contra o macho branco, em algum nível, essa resistência ao macho branco permaneceu e venceu, tanto que estamos, hoje, existindo e resistindo até aqui.

Mas o macho branco não pode, a sua supremacia não admite, não ser o centro de produção de todas as narrativas e de sentido para o mundo. Isso significa o seu próprio fim. Ele não suporta não ser o centro de tudo, ele não suporta que todas as coisas do mundo não seja definidas a partir dele, ele não suporta não ser o doador de sentido para tudo e para todos. E, então, através da teoria queer, ele "transiciona". O macho branco privilegiado e dominante, que dizia e nomeava a tudo e a todos, privado progressivamente de dizer e nomear a tudo e a todos, obrigado a aceitar que não é o referencial para produção de sentido pra tudo, que nem tudo diz respeito a ele, que nem todos estão se curvando de joelhos sob ele, mas que estamos, nós, a partir de nós mesmos, contando nossas histórias, construindo nossas memórias, reelaborando nossas tradições, e que nelas ele não é a suprema, sábia e grandiosa figura central que acredita ser, mas uma criatura nojenta, perversa, aniquiladora - um dominador explorador -, ele não pode com isso, ele não pode permitir isso, ele não pode permitir a essas pessoas, a esses grupos de pessoas, que elas digam de si a partir de si mesmas e, principalmente, que elas digam a partir de si mesmas o que ele é. Isso não pode acontecer, o homem branco não pode permitir isso, ele não pode ser privado de estar nesses lugares, ele precisa vetar essa produção livre e legitima de sentido para o mundo. E, aí, o liberalismo e sua ideologia de sacralização do individuo e de exaltação da vontade individual como valor supremo da humanidade cria, através da teoria queer, o discurso das identidade fluídas, das transidentidades, da autoidentificação: o dominador pode ser o que ele quiser e, portanto, pode estar onde ele quiser, onde antes lhe era vetada a existência política e social. Assim, o dominador assume a identidade do dominado - legitimado pela ideologia liberal de que a vontade individual está cima de todos os valores e direitos e não pode ser negada ao sujeito - ele "transiciona" pro lugar social que antes lhe era vetado como ilegitimo e passa a ter  legitimidade pra, novamente, nomear, dizer e produzir sentido pra uma condição que ele não vivencia, não vivenciou e nunca vivenciará. Novamente, o macho branco [e seu séquito machobrancocentrado] está produzindo sentido para o mundo e nomeando e dizendo sobre pessoas e grupos sociais o que eles são. E, assim, eles serão, a partir da experiência do machobranco e não mais da própria. E, assim, o macho branco silencia e aniquila, controlando com sua produção de sentido machobrancocentrada, toda produção de sentido diversa a que ele confere ao mundo.

VAMOS FALAR SOBRE O QUE NINGUÉM QUER FALAR?

Eu não tenho medo: DISCURSO DE TRANSGENERIDADE É ESTRATÉGIA PATRIARCAL DE CONTROLE, MEDO E SILENCIAMENTO DE MULHERES

Travestis e transgêneros têm reivindicado [e conseguido], cada vez mais e com mais força discursiva e política, o direito a espaços exclusivos conquistados com muita luta pelas mulheres que vieram antes de nós. Pequenos e parcos espaços dentro da sociedade patriarcal - que nos nega todos os espaços na sociedade porque precisa nos manter apenas escravizadas e limitadas ao espaço doméstico - que foram conquistados com muita luta para nos garantir alguma segurança diante de toda violência que somos vítimas nessa bosta: banheiros femininos, vestiários, prisões, categorias femininas organizadas, categorias femininas em lutas desportivas e em esportes... espaços que estão sendo violados por homens que afirmam que ser mulher é "se sentir" uma, que ser mulher é um "sentimento" e não uma condição material e histórica imposta pela sociedade patriarcal a pessoas que são identificadas por suas vaginas e experimentada desde o nascimento como violência sobre nossos corpos e limitação de nossas potencialidades, capacidades e sexualidade.


Tamikka Brents fala sobre a luta contra [transexual] Fallon Fox “Eu nunca me senti tão dominada”

Travestis são acusados de expulsar prostitutas

Travestis e transexuais presos poderão escolher ir para ala feminina de penitenciárias do Rio

Pessoas trans e travestis poderão escolher o banheiro e vestiário que usarão



Travestis e transexuais são socializados para reagir, para se defender com uso de sua força física, reagem, inclusive, contra agressões de outros homens; comumente, expulsam mulheres, por meio da força física e da coação, dos pontos de prostituição onde desejam se instalar, podem machucar fortemente até mesmo uma lutadora com um preparo físico que nenhuma mulher "comum" tem. Agora, imaginem a situação numa prisão, onde, inclusive, aqueles que nem foram operados, ou seja, que ainda podem estuprar, vão conviver com mulheres e disputar poder de forma ainda mais cruel e brutal do que em todos os outros espaços da sociedade em que a violência física e o estupro já são armas consagradas de coação e silenciamento de mulheres?

A socialização é o processo pelo qual se fundamenta o Sujeito/Sujeita das pessoas, é a forma como a pessoa é ensinada a ser "eu", a compreender a si mesma e ao outro. A socialização de pessoas que nascem com pênis, mais que uma socialização que as ensina a vestir certos tipos de roupas e cultivar determinada aparência física socialmente convencionada como masculina, é uma socialização que ensina essas pessoas a serem sujeitas de seus corpos, de suas subjetividades, de suas narrativas e discursos e, assim, autoriza, afirma e reafirma que essas pessoas podem produzir conhecimento e nomear a si mesmas e ao mundo como quiserem; uma socialização que as ensina a reagir diante de uma ameaça, porque ensina a elas que seus corpos e sua subjetividade são seus, lhes pertencem, e não são objetos do Sujeito do outro, portanto não podem ser violados; assim como ensina a elas que, na nossa sociedade misógina e falocentrada, por portarem um pênis, elas estão autorizadas a odiar, agredir, violar e matar mulheres, caso assim desejem. A socialização feminina é aquela que, mais do que determinar que roupas devemos vestir e como devemos nos aparentar fisicamente, ensina pessoas nascidas no sexo feminino que elas não são sujeitas de seus corpos, de suas subjetividades, de suas narrativas e discursos e, assim, que essas pessoas não podem produzir conhecimento e nomear a si mesmas e ao mundo como quiserem, mas que devem se submeter as nomeações e aos sentidos que os homens dão ao mundo e a elas; que as ensina a não reagir diante de uma ameaça, mas a temer e a não desafiar o seu algoz, porque ensina a elas que seus corpos não são seus, não lhes pertencem, mas são objetos do Sujeito do outro, do Sujeito falocentrado, e portanto podem ser violados e objetificados; que ensina a elas que, na nossa sociedade misógina, são elas que são passíveis de serem odiadas, agredidas, violadas e mortas, independente de suas vontades, já que são objetos do sujeito do outro, e não sujeitas de si mesmas.

Travestis e transmulheres possuem fisiologia masculina e recebem socialização destinada a homens, ou seja, socialização para serem sujeitos de si e para introjetarem misoginia em relação às mulheres e objetificá-las.

Travesti agride mulher em bar por ciúmes do companheiro

Travesti mata mulher com golpes de gargalo de garrafa no Educandos

Idosa agredida por travesti teve traumatismo craniano e ferimentos em todo o corpo



A SOCIALIZAÇÃO EXISTE e ela não falha.

Vamos fingir que não estamos vendo isso, que não entendemos isso, que não tememos isso, que não queremos isso? Vamos fingir, mais uma vez, e como sempre, que não corremos riscos, que não estamos sendo privadas e violadas? Vamos fingir, mais uma vez, e como sempre, que não estamos passando por isso tudo e permanecendo em silêncio por medo de desagradar os homens e não ter o reconhecimento deles de que somos boas mulheres? Por medo de enfrentá-los, de aborrecê-los, de sermos insubmissas e não ganhar o reconhecimento e a empatia deles? Vamos nos por em risco, perder espaços, nos privar de dizer e nomear a nós mesmas por medo de não sermos boas mulheres, de não sermos silenciosas e obedientes como o patriarcado espera? Vamos fingir que não estamos com medo e em silêncio porque um grupo de pessoas socializadas numa sociedade falocentrada e misógina para ter poder sobre nós está nos dizendo que não podemos ter espaços exclusivos e não podemos nomear a nós mesmas porque são eles que irão fazer isso a partir de agora porque "se sentem" como nós? Não esqueçam: o medo e o silenciamento são as estratégias mais antigas do patriarcado contra nós.

Veja bem, não negamos que pessoas consideradas transexuais sofrem violências e opressões, não negamos a essas pessoas o direito a autorganização e protagonismo em suas lutas, não negamos o direito a essas pessoas de não serem mortas, agredidas, estupradas, sexualmente exploradas (até porque, quem somos nós, mulheres, pra sermos capaz de negar ou autorizar alguma coisa a qualquer categoria de gentes, né?) - NÃO SOMOS NÓS, MULHERES, que negamos esses direitos a essas pessoas, que as agredimos, espancamos, matamos, exploramos, SÃO OS HOMENS! O que nós, mulheres, negamos a essas pessoas é a nossa autorização para que elas definam e pautem o que é ser mulher e pare que acessem nossos espaços conquistados a duras penas na sociedade patriarcal, e negamos isso justamente porque esse direito É NOSSO e nos vem sendo negado há milênios pelo patriarcado, e por isso mesmo - e não por outro motivo - o feminismo foi criado.

Negar a autorização a transmulheres para definirem o que é ser mulher e não permitir a elas acessar espaços exclusivos femininos NÃO é ser "contra a luta das pessoas trans", é ser a favor do direito, da voz, da segurança e do protagonismo das mulheres. Ser mulher não é um "sentimento", é uma CONDIÇÃO ESPECÍFICA, VIOLENTA E LIMITADORA imposta por homens e pela sociedade patriarcal a pessoas identificadas como mulheres por seu sexo feminino para que possam ter sua subjetividade, sua sexualidade, seus corpos e suas capacidades reprodutivas dominadas e exploradas para gerar poder e riqueza para os homens.

O "sentimento" dos homens NÃO pode ser mais importante que a segurança das mulheres - e quando isso acontece, não se chama feminismo, se chama PATRIARCADO.


quinta-feira, 11 de junho de 2015

VESTÍGIOS DE UMA ANTIGA CIVILIZAÇÃO


Como todos os grupos humanos que se identificam através de semelhanças entre si, nós, mulheres, temos uma cultura, porque nos assemelhamos. Nós a construímos, desde o passado, uma cultura fundada na materialidade de nossos corpos e nossas experiências comuns e sua relação com o real. Uma cultura que nos fez significar o mundo, produzir sentidos e conhecimentos sobre ele, nomear e dizer a nós mesmas, a nossas vivências, em nossos processos, nossas capacidades, nossas potências - e desenvolvê-las.

Mas um projeto de poder e dominação pressupõe a dominação e aniquilação de uma cultura, aquela cujos constituintes serão dominados, controlados e explorados. E é isso que os homens têm imposto a nós: eles se apropriaram de nossos discursos, de nossos saberes, nossas significações, passaram a controlá-las, a aniquilar, a reelaborar, tomaram pra si, e como seu, tudo que nós produzimos, e nos vetaram o direito a ela, a nossa cultura, a nossa produção, aos nossos saberes - e a nossos corpos, que são a primeira e mais fundamental expressão de nossos seres individuais e coletivos no mundo, nossa primeira forma de experimentar o mundo, conhecê-lo e dizê-lo, e produzir saberes e sentido sobre ele.

Eles, os homens, nos tem vetado, há milênios, esse direito. Tem violado, aniquilado, apagado, exterminado, há milênios, nossa cultura.

Mas também há milênios, nós resistimos. Há milênios, algumas de nós lutamos, nos recusamos a nos dobrar: resistimos. Vamos sendo agredidas, estupradas, mortas, queimadas, encarceradas, mas: resistimos. E essa resistência, essa luta, tem deixado vestígios, indícios, pequenos focos de significados, de memórias, de experiências, que nos indicam um caminho, um caminho pra nos encontrarmos a nós mesmas, e toda liberdade, potência e humanidade que nos têm sido negadas. Um caminho para nossa tradição, a tradição de uma cultura inteira, e completa, e complexa, que nos tem sido negada.

O movimento das mulheres, a luta das mulheres, não é somente uma luta no campo da política mais vulgarmente compreendida [por direitos fundamentados na noção de direitos e justiça do Estado patriarcal], mas é um movimento de construção de uma ética, de uma episteme, de uma racionalidade, de um mundo novo, é o movimento de retomada contínua e incessante, de reconstrução, daquilo que nos vem sendo negado há milênios pela negação de nossa própria cultura: o direito de Ser e de dizer, nós mesmas, o que Somos.

Resistimos. Há milênios resistimos. Sob os cadáveres de nossas iguais, sob seus corpos mutilados e feridos, sob o sangue derramado das mulheres que nunca desistiram de Ser, porque sabiam de tudo que eu escrevo aqui: nós resistimos. Vocês não conseguiram e não conseguirão. Fodam-se os homens. Fodam-se vocês, seus aniquiladores malditos.

A cultura masculina é a cultura da morte, do medo, do desterro, da aniquilação.

A cultura feminina é a firmação da vida, da liberdade, da criação.

O tempo de vocês está acabando. Nós resistimos há milênios - vocês não conseguiram. E venceremos.


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Esse texto é um desdobramento da leitura de um texto maravilhoso de uma de minhas escritoras preferidas, a Natacha Orestes, que pode ser lido aqui no face dela.

Natacha também tem um blog, com mais escritos verdadeiramente grandiosos e importantes, o milfwtf.


BUCETISMO SIM

Manas, olha só, uma vagina não é somente um buraco que carregamos entre as pernas. Uma vagina é um símbolo: um símbolo de uma história milenar de uma classe de pessoas que, ao serem identificadas por nascer com uma vagina, aprendem desde cedo a odiá-la e a odiar a tudo que está relacionado à ela: a menstruação, a maternidade, a sexualidade, o prazer;  aprendem a vê-la, a vagina e seus processos naturais, como imorais e sujos, a ver o próprio prazer e sexualidade como imoral, sujo, perverso, e a entender que nossa vagina e nossa sexualidade só podem existir e serem anunciadas se forem para servir aos homens - a classe de pessoas que portam o pênis - e que, caso contrário, deve ser escondida, silenciada, amaldiçoada, imoralizada. A vagina não é apenas uma fisiologia, um dado, um aspecto físico e formal, a vagina e a vulva são símbolos através dos quais somos classificadas pelo patriarcado como mulheres e ensinadas a nos odiar, a nós, a nossos corpos, ao nosso sexo e a nossa sexualidade e nossos processo naturais, a nos ver como inferiores e incapazes em relação aos homens, a naturalizar nossa inferiorização, nossa submissão e nossa objetificação ao mesmo tempo em que somos ensinadas sobre quem é superior, quem deve ser valorizado e o que devemos adorar e idolatrar: o pênis e os homens - aqueles que nos é ensinado que, justamente por não portarem vagina, mas pênis, são superiores e tem direitos sobre nós e nossos corpos.

Uma vagina é uma instituição, uma história, um símbolo, de classificação, redução, limitação, dominação e exploração histórica e milenar de uma classe de pessoas por outra, mas também da luta e da resistência histórica e milenar dessas pessoas em nome de sua dignidade e liberdade.

E nenhum procedimento cirúrgico é capaz de construir uma vagina. NENHUM. Um buraco artificialmente construído no meio das pernas NÃO é uma vagina.

Amem suas vaginas. Imponham suas vaginas! Ergam suas vaginas! Resistam!




OMEXPLICANISMO

Manas, tem ome que é tão importante, tão sabedor, mas tão sabedor, que se tu falar alguma coisa pra ele sobre xereca ele vai querer te dar uma explicação sobre o assunto. Talvez até te indique um bom livro pra você entender melhor o tema.



domingo, 7 de junho de 2015

RECADO PRAS MANA

Um palavra de alento pra vocês, minhas irmãs queridas:
um homem que te coage, te assedia, te manipula, te agride, te subjuga, te silencia, te diminuiu, esse homem, minha amiga, ELE NÃO TE AMA. Ele te domina e te submete.
E você, mulher, você foi educada a vida toda pra crer que quanto mais um homem domina e submete uma mulher, mais ele a ama, mas isso não é amor, isso é PATRIARCADO.
Se você acredita que isso é amor e que você está apaixonada ou que você pode amar um homem que te coage, te assedia, te manipula, te agride, te subjuga, te silencia, te diminuiu, você é uma mulher muito ADOECIDA pelo patriarcado.
Te desejo muita força e coragem pra sair dessa. 



sexta-feira, 5 de junho de 2015

FEMINISMO

Sabe qual é um dos fardos mais pesados de séculos e décadas de uma educação desde o nascimento nos forjando como o Outro, como o Segundo Sexo, como o Objeto em relação ao Sujeito da realidade e da História, o homem? É que dentro desse lugar sempre precisaremos do aval, da aceitação, do reconhecimento, da palavra e da definição deles pra nos reconhecermos a nós mesmas como sendo algo. E sempre algo dentro do que eles nos impõem sobre o que é ser o Outro - ou seja; sempre o Segundo Sexo, algo que nem chega a ser humano. Ser livre é caminhar pra se reconhecer em outras linguagens, em outras realidades, em outros diálogos, em outros olhos.
Esqueçam os homens e suas opiniões e impressões (não só sobre as mulheres, mas sobre o mundo); mulheres: reinventem tudo que puderem, inclusive, e principalmente, a si mesmas e as suas relações.


FEMINISMO PÓS-MODERNO

Não pode: mencionar, debater, falar de buceta, vagina, xota, útero, ovários, gravidez, maternidade, menstruação, aborto, porque é opressão "cisgênera" e TW contra trans.
Pode: mencionar, falar, debater sobre ter pênis, tirar pênis, colocar pênis, o que fazer e como lidar com pênis, como fazer pra aceitar pênis em espaços exclusivos, como fazer lésbicas aceitarem se relacionar com pênis, como fazer o feminismo aceitar pênis.
Cês tão de sacanagem comigo, né manas?


SOBRE FEMINISMO RADICAL E AS ALCUNHAS MISÓGINAS DE "TERF" E "TRANSFOBIA"

Todo mundo sabe que as opressões e preconceitos e intolerâncias na nossa sociedade são diversas e de diferentes formas contra diferentes grupos: mulheres, homossexuais, transexuais, pobres, pessoas negras, indígenas...
O feminismo radical é uma vertente do feminismo que se constrói a partir da ideia que pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas* como mulheres sofrem opressões e violências exclusivas por viverem essas condições. O feminismo radical, assim como diversos outros movimentos sociais e políticos, opera de forma a valorizar e construir espaços exclusivos e protagonismos exclusivos de pessoas do sexo feminino sobre suas pautas exclusivas e contra suas opressões exclusivas. A construção de espaços exclusivos NÃO é uma invenção do feminismo radical, mas uma premissa de todos os movimentos sociais e políticos que buscam a construção do protagonismo de pessoas/grupos identitários/étnicos/políticos sobre suas pautas.
O movimento feminista radical é crítico às teorias de gênero que fundamentam o discurso de autodentificação e indentidades/gêneros fluídos, mas o feminismo radical não autoriza nenhuma pessoa a impedir que outras pessoas se autorganizem e protagonizem suas lutas.
Ninguém acusa (ou ninguém deveria acusar) o movimento negro, que também constrói protagonismos e espaços exclusivos de luta contra a supremacia branca, de ser indígena-excludente, né? Porque todos são capazes de compreender que, apesar de a luta indígena e do povo negro se tocarem em alguns aspectos, como, por exemplo, a orientação contra a supremacia branca, ambos os grupos identitários tem especificidades e precisam protagonizar suas pautas e construir espaços exclusivos como estratégia de resistência.
Por que, então, acusam o feminismo radical de ser trans-excludente? O feminismo radical não é trans-excludente. O feminismo radical não se ocupa de perseguir a autorganização de pessoas trans, de perseguir e negar-lhes direitos, de vetar-lher o direito à sociedade, além disso, o feminismo radical também acolhe e ampara homens transexuais [por entender que, por serem nascidos no sexo feminino, também sofrem a violência da socialização feminina, e sua autoidentificação com o gênero masculino não os livra desse processo, que é mais complexo que simplesmente "escolher" pertencer a um gênero ou outro, pois que gênero, mais que uma escolha, é uma construção política para a dominação de indivíduos socializados a partir do sexo masculino sobre indivíduos socializados a partir do sexo feminino - como um movimento que acolhe homens TRANSEXUAIS pode ser alcunhado de transfóbico senão como uma forma de deslegitimação e silenciamento desse movimento?]. O feminismo radical apenas afirma que pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres sofrem opressões históricas destinadas apenas a pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres e que, portanto, nós temos a liberdade, o direito e o dever, como luta e resistência, como é direito de qualquer outro movimento de resistência e luta política, de construir espaços e protagonismo exclusivos que, também historicamente e não por acaso, nos vem sendo negado.
A sigla TERF [trans exclusionary feminism] nada mais é do que uma alcunha misógina, forjada pelo discurso de manutenção do patriarcado e por seus agentes, para coagir, intimidar mulheres e pra autorizar a agressão e perseguição, inclusive pelo próprio movimento feminista, de pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres, e impedi-las de se autorganizarem e de protagonizarem sua luta e resistência contra o patriarcado.
O termo "cis" também tem a mesma função. O feminismo radical entende que nenhuma pessoa nascida no sexo feminino e socializada como mulher é privilegiada por se "identificar" com seu gênero, NENHUMA. Porque a socialização feminina, aquela que nos impele a nos adequar aos estereótipos de gênero, não é uma escolha, não é um movimento de autoidentificação, mas é uma violência do patriarcado contra pessoas nascidas no sexo feminino, uma violência que sofremos desque nascemos, antes mesmo de poder fazer quaisquer escolhas na nossa vida. Nenhuma mulher "se identifica" com o gênero feminino: o gênero feminino é constituído de uma série de ritos e convenções IMPOSTAS VIOLENTAMENTE a pessoas que nascem com uma VAGINA para permitir a pessoas nascidas no sexo masculino nos subjugar, nos violar, explorar, acessar nossos corpos, controlar nossa sexualidade, nosso comportamento, nosso processo reprodutivo e manter, assim, a supremacia masculina sobre nós.
Dizer que existe um privilégio cisgênero ou que determinado feminismo é TERF serve apenas para pulverizar as pautas feministas que dizem respeito a essas opressões mais fundamentais do patriarcado contra pessoas nascidas no sexo feminino [a maternidade compulsória, a heterossexualidade compulsória, o ódio aos corpos feminino, à vagina e tudo que é ligado a nossa corporeidade etc], colocando-as em segundo plano, e até mesmo vetando e proibindo seu debate, como tem acontecido quando se diz que falar de vagina no feminismo é transfóbico porque oprime pessoas trans. Tudo isso é estratégia patriarcal pra, mais uma vez, como tem sido feito desde sempre pelo patriarcado, silenciar mulheres e pra e culpá-las por quererem se impor - a si, a sua existência, a seus corpos amaldiçoados e controlados como "coisas" pelo patriarcado - como como humana no mundo e na sociedade patriarcal.
Mulheres, não caiam nessa. Isso é COLONIZAÇÃO do feminismo pelo patriarcado, isso é estratégia do patriarcado e de seus agentes para nos amedrontar, deslegitimar e nos silenciar! NÃO existe feminismo transfóbico e terf e NÃO existe privilégio cis!
FEMINISTAS RADICIAIS EXISTEM E RESISTEM!
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* A socialização é o processo pelo qual as liberdades e potências individuais são violentamente tolhidas, cerceadas coibidas e podadas para educar, forjar, impelir e obrigar pessoas nascidas com vaginas a se comportarem dentro de determinados papéis sociais, no caso, os construídos e afirmados socialmente a partir da supremacia masculina como "femininos".


COMER TAMBÉM É FEMINISMO!

Mulheres queridas amadas, vcs cuidam da alimentação de vcs? Né tipo seguir receitas incríveis de culinárias elitistas não, e nem fazer dietas malucas pra emagrecer [naaaãoo!]. É fazer, dentro das próprias possibilidades e contingências, escolhas menos agressivas e mais saudáveis na alimentação de vocês.
Lembrando que feminismo também é autocuidado, e comer de forma saudável também é amor próprio.
Amem se alimentar! 



 heart

FILHAS, MÃES, AVÓS, TIAS, PRIMAS - NOSSAS MULHERES

Minha irmã foi a primeira mulher que me lembro de ter sido ensinada a odiar, competir e rivalizar. O feminismo radical tem me ajudado a reconstruir minha relação com minha irmã, a ressignificar experiências e sentimentos, passadas e presentes. Eu tenho aprendido a amar minha irmã, a amá-la e admirá-la. E eu estou cada dia mais apaixonada por minha irmã e por esse processo de compreende-la e amá-la. Emoticon heart
Nos fazer odiar e desprezar as nossas mulheres mais próximas, gerar incompreensões entre nós, competição, rivalidade, falta de diálogo, entre mães e filhas, entre irmãs, primas, tias... é a estratégia mais fundamental do patriarcado contra nós. Destrói qualquer possibilidade de construir laços, memórias, ancestralidade, cultura, entre mulheres.
Amem suas mulheres. Elas são o que vocês são, mulheres com as mesmas experiencias que nós, com as mesmas vivências, nossas irmãs mais próximas.


ESQUERDOMACHOS

Curioso o comportamento desses anarcomachos, marxchistas, machos libertários e esquerdomachos. Os cara são casados cas mulheres há 1, 2, 3 décadas, desenvolvem trabalho, militância, criam projeto, nome, legado, tudo junto, chama de minha compa, minha companheira - e ser companheira é mais, muito mais, que ser 'mulher de', que ser 'esposa', ser companheira é dividir a vida, em sua dimensão política, e não só no espaço doméstico, em que o patriarcado coloca as mulheres-esposas e suas relações com seus homens: ser companheira é a única ínfima chance de romper com isso. Uma relação de companheirismo não se inicia e nem se encerra no amor romântico e nos requisitos estabelecidos para o reconhecimento e legitimação do amor romântico pelo Estado e pela sociedade burguesa, uma relação de companheirismo permanece para além do fim dessas instituições: ela tem uma história, um legado, produziu frutos, outros estabelecidos, ou assim deveria ser. Mas não é.
Frequentemente, vejo mulheres que estabeleceram o companheirismo com seus amantes, a quem se dedicaram, e que muitas vezes abriram mão de suas carreiras, trabalho, estudos, pra cuidar dos filhos dessa união, porque, sim, sempre recai sobre a mulher a maior responsabilidade sobre as crias e sobre a vida doméstica do casal - mesmo entre os casais mais libertários -, sempre vejo essas mulheres, ao fim de seus relacionamentos, impelidas [não à força, mas pela força simbólica do machismo, daquele mais velado, que somente nós, mulheres, sentimos e somos capazes de apontar] a abandonarem os espaços de militância, construídos conjuntamente, as atividades, os pequenos louros e vitórias colhidos juntos, a decaírem em seu prestígio, a serem obrigadas a começar, tudo de novo, praticamente do zero, uma trajetória traçada junto, que vai sendo apropriada, pela força do poder masculino: do ex-amante e de todos os homens que construíram e que mantém e legitimam esses espaços.
Não sendo isso ainda o suficiente, é, quase sempre, a regra, ver essas mulheres completamente destituídas de bens materiais mais básicos pra seguir a vida e conseguir seguir na militância também. Geralmente, tendo elas adiado seus trabalhos, estudos, carreiras e sonhos para cuidar dos filhos, enquanto seus amantes seguiram em frente com todo aparato que elas puderam lhes proporcionar para que alavancassem seus planos, essas mulheres terminam as uniões sem emprego e, tendo estado tanto tempo afastadas do mercado de trabalho, sem redes de contato, com competências defasadas e com imensa dificuldade de conseguir empregos. E cadê seus companheiros? Aqueles mesmos que chamam os camaradas, amigos, colegas de militância, duros, sem grana, pra beber por conta, em nome da solidariedade de classe, da solidariedade humana, da luta política; aqueles que cedem sua própria casa por meses a fio, com todas as despesas incluídas, pro amigo homem, que, vindo da militância de outro estado, ainda não construiu suas redes de trabalho aqui e mal tem como se sustentar; aquele mesmo que doa dinheiro todo mês pro partido, pro coletivo, pra organização; aquele que consegue emprego pro camarada desempregado; aquele que, fazendo jus a sua tradição de luta, divide o pão e o ar com outros homens que estão na mesma frente de combate que ele; cadê esse homem, quando a sua ex-companheira, que caminhou a seu lado por anos, décadas, que construiu com ele todo seu legado e toda sua importância, que cuidou dele, dos filhos dele, que adiou indeterminadamente seus sonhos para que seu homem pudesse seguir os dele, e que agora está desempregada, fodida de grana, sem condições de voltar a estudar, cadê seu companheiro de luta nessa hora?
Porque eu só vejo mulheres abandonadas por sujeitos que são companheiros de todo mundo, menos daquelas que se mantiveram firme em suas frustrações e decepções pra que esses homens se tornassem o que são hoje.
Sejam menos canalhas, homens, nós não aguentamos mais vocês e seus horrores.
Mulheres de guerra, vocês são maravilhosas. Contem comigo, sempre. Não baixem a cabeça, vocês são mais, muito mais, imensamente mais revolucionárias do que qualquer homem. 

Emoticon heart


A CIÊNCIA PATRIARCAL

A depilação feminina sendo analisada em termos de "ousadia", "recato", "avanço" e "conservadorismo". Ou seja: em termos completamente androcentrados de avaliação e julgamento masculinos sobre o comportamento e existência da mulher. Quando sabemos que a depilação segue padrões de uma cultura de infantilização dos corpos femininos para sua dominação.
Mulheres, parem de celebrar essa ciência patriarcal, ela não produz conhecimento algum sobre nós.



Leia a matéria aqui.

CHEGA DE DELÍRIO QUEER

Amigas, colegas, irmãs, minas, vem cá, pega na minha mão de novo, sentaqui, me escuta.
O patriarcado, manas, o patriarcado não é um sentimento ruim, uma entidade ou uma manifestação psíquica que "baixa" nozome de vez em quando e faz eles serem agressivos e ofensivos com as mulheres. O patriarcado = SISTEMA DE DOMINAÇÃO PARA EXPLORAÇÃO dos corpos, da sexualidade, dos processos reprodutivos e da força de trabalho de pessoas que são designadas como mulheres por terem sexo e aparelho reprodutor feminino para geração de riqueza e poder para pessoas do sexo masculino. O feminismo radical trata disso e de todos os desdobramentos disso, porque entende que essa é a raiz das relações de desigualdade e violência entre mulheres e homens e que isso precisa ser o cerne e o norte da luta feminista. O feminismo não se ocupa [ou não deveria se ocupar] de pessoas que nascem com pênis.
E a misoginia, manas, a misoginia não é o ódio às pessoas porque elas vestem saia, passam maquiagem ou usam salto alto, a misoginia é o ódio historicamente instituído e orientado contra o corpo, o sexo e os processos reprodutivos das mulheres para legitimar essa dominação e essa exploração. Não existe misoginia contra pessoas com pênis, mesmo que elas usem saia, maquiagem e salto alto, porque o fundamento da misoginia é esse e não deve ser apagado, sob o risco de se apagarem os próprios fundamentos do patriarcado e da dominação e exploração das mulheres pelos homens.
Vamos tentar entender o feminismo radical antes de sair por aí falando sobre o que não se sabe? Que tal?
Entendeu? Agora para de alimentar esses delírio queer. Agora me dá um beijo. Um abraço. Vai lá.

Emoticon heart

DAS COISAS QUE NON ECZISTEM


Gente, vem k segura aqui na minha mão, xô conta 1 coisa pra vcs.

Coisas que o ome branco heterossexual abastado NÃO é:
1. poeta
2. genial
3. revolucionário/transgressor
4. libertário

Em NENHUMA circunstância.
NENHUMA MESMO.

Grata.


DESTRUIR A FEMINILIDADE (Ou: a feminilidade é um conceito patriarcal)


Aproveitando a ocasião do texto que acabei de ler [https://amargemdofeminismo.wordpress.com/…/por-que-resistir…].
Demorei, mas entendi a importância de romper com os estereótipos de feminilidade e, aos poucos [não, não é fácil, eu também desejo ser socialmente aceita, admirada, desejo não sofrer hostilizações e olhares tortos nos lugares em que ando], estou me esforçando pra me desvencilhar deles. E tenho observado como esse processo tem sido importante, sobretudo por ter sido eu, a vida toda, lida como uma mulher heterossexual e estar num relacionamento estável com um homem. Digo que isso é importante porque, frequentemente, desque comecei a parar de performar feminilidade, sou confundida com uma lésbica. É claro que não acho ofensivo e nem vejo problema algum [pra mim] em ser lida, por vezes, como lésbica [ainda que veja problemas na redução de lésbicas a certos estereótipos pela associação com a minha aparência desfeminilizada], mas acho também importante marcar que não sou lésbica, que posso ser heterossexual e não performar a tradicional mulher que o patriarcado nos impõe, acho importante comunicar isso a outras mulheres heterossexuais, porque, no geral [me corrijam se eu estiver enganada], muitas lésbicas já são mais livres desses estereótipos nojentos do que mulheres heteras.
Assim, quem não me vê há um tempo, e me vir nos dias de hoje, é capaz de estranhar bastante: praticamente não uso maquiagem [tinha uma necessaire lotada de bases, batons, rímel, sombras e todas essas porcariadas]; cortei o cabelo de um jeito prático e fácil de cuidar: raspado em baixo e curto em cima, não apenas pela praticidade, mas é um jeito que eu gosto e sempre me vi impelida a evitar porque era corte de "homem"; não uso mais saltos altos e roupas desconfortáveis ou qualquer coisa que aperte ou machuque meu corpo ou dificulte meus movimentos; praticamente não uso mais brincos, pulseiras, cordões... apenas anéis, grandes, que gosto muito, ou brincos pequenos, quando estão por perto, porque não me sinto mais na obrigação de ficar acumulando bijuterias e ficar procurando e escolhendo o que usar com que roupa - tenho preguiça - e nem na obrigação de achar que não posso ser bonita ao natural, mas apenas adornada de um monte de apetrechos que me induzem a usar pra que eu creia que sou feia quando não estou com eles; não arranco mais as sobrancelhas, não me depilo mais - me recuso a me submeter a um ritual de tortura com cera quente pra machucar meu corpo e me adequar a um padrão de beleza infantilizante e pedofílico -, ainda que não esteja totalmente resolvida com meus pelos, porque ainda temo muito ser julgada e hostilizada por causa deles, pelo menos não sinto mais dor ou torturo minha pele pra removê-los: quando estou sem coragem, passo a máquina de raspar cabelos e deixo eles bem baixinhos - e isso pra mim, não depilar à cera, e me recusar à tortura, já é um grande passo do qual me orgulho, porque fazia depilação com cera desde os 17 anos.
Enfim, aos poucos vou rompendo com toda essa bosta que nos é imposta pra nos definir, pra nos marcar, pra limitar nossos corpos e informar a sociedade que nós pertencemos à classe de pessoas que existe para ter seus corpos, sua subjetividade, seu sexo e sexualidade, sua capacidade e processos reprodutivos dominados, controlados e explorados pelos homens para gerar poder e riqueza pra eles.
Não é uma coisa fácil de fazer, mas tenho entendido cada vez mais como é urgente e necessária. E, com essa compreensão, tenho construído um orgulho e uma estima enorme por mim mesma por cada passo que dou. E me sinto feliz e resistente por informar a cada mulher que sou uma mulher, hetera, periférica, que não precisa de ritos limitadores e escravizantes do patriarcado pra me sentir bonita, forte, pra me sentir mulher.
E, então, adivinhem o que as pessoas tem me dito, ao me ver, assim, sem a fantasia escravizante da feminilidade, e diante da ciência de que eu não sou uma lésbica?
Que eu sou um homem trans. Emoticon gasp
Porque, é claro, uma mulher não pode ousar romper com os papeis de gênero que o patriarcado reserva pra ela, a não ser que seja lésbica, porque aí, como lésbica, ela assume pra si a culpa por todas as sanções e violências que, segundo a nossa sociedade, as lésbicas devem e merecem sofrer por ousarem ser livres e não se submeterem a feminilidade. Se eu não sou lésbica e, consequentemente, pra nossa sociedade patriarcal, não posso ser responsabilizada pelas sanções que sofreria por desobedecer os ritos de feminilidade impostos a mim pelo patriarcado, eu só posso ser um homem trans, eu preciso ser categorizada como homem. Porque a nenhuma mulher é permitido ser livre, ser natural, a ser como quiser, é claro. Esse é um direito destinado apenas aos homens, e qualquer mulher que insiste nisso, ou será punida ou precisará ser reclassificada como homem. Assim se faz a manutenção dos papéis de gênero.