quinta-feira, 11 de junho de 2015

VESTÍGIOS DE UMA ANTIGA CIVILIZAÇÃO


Como todos os grupos humanos que se identificam através de semelhanças entre si, nós, mulheres, temos uma cultura, porque nos assemelhamos. Nós a construímos, desde o passado, uma cultura fundada na materialidade de nossos corpos e nossas experiências comuns e sua relação com o real. Uma cultura que nos fez significar o mundo, produzir sentidos e conhecimentos sobre ele, nomear e dizer a nós mesmas, a nossas vivências, em nossos processos, nossas capacidades, nossas potências - e desenvolvê-las.

Mas um projeto de poder e dominação pressupõe a dominação e aniquilação de uma cultura, aquela cujos constituintes serão dominados, controlados e explorados. E é isso que os homens têm imposto a nós: eles se apropriaram de nossos discursos, de nossos saberes, nossas significações, passaram a controlá-las, a aniquilar, a reelaborar, tomaram pra si, e como seu, tudo que nós produzimos, e nos vetaram o direito a ela, a nossa cultura, a nossa produção, aos nossos saberes - e a nossos corpos, que são a primeira e mais fundamental expressão de nossos seres individuais e coletivos no mundo, nossa primeira forma de experimentar o mundo, conhecê-lo e dizê-lo, e produzir saberes e sentido sobre ele.

Eles, os homens, nos tem vetado, há milênios, esse direito. Tem violado, aniquilado, apagado, exterminado, há milênios, nossa cultura.

Mas também há milênios, nós resistimos. Há milênios, algumas de nós lutamos, nos recusamos a nos dobrar: resistimos. Vamos sendo agredidas, estupradas, mortas, queimadas, encarceradas, mas: resistimos. E essa resistência, essa luta, tem deixado vestígios, indícios, pequenos focos de significados, de memórias, de experiências, que nos indicam um caminho, um caminho pra nos encontrarmos a nós mesmas, e toda liberdade, potência e humanidade que nos têm sido negadas. Um caminho para nossa tradição, a tradição de uma cultura inteira, e completa, e complexa, que nos tem sido negada.

O movimento das mulheres, a luta das mulheres, não é somente uma luta no campo da política mais vulgarmente compreendida [por direitos fundamentados na noção de direitos e justiça do Estado patriarcal], mas é um movimento de construção de uma ética, de uma episteme, de uma racionalidade, de um mundo novo, é o movimento de retomada contínua e incessante, de reconstrução, daquilo que nos vem sendo negado há milênios pela negação de nossa própria cultura: o direito de Ser e de dizer, nós mesmas, o que Somos.

Resistimos. Há milênios resistimos. Sob os cadáveres de nossas iguais, sob seus corpos mutilados e feridos, sob o sangue derramado das mulheres que nunca desistiram de Ser, porque sabiam de tudo que eu escrevo aqui: nós resistimos. Vocês não conseguiram e não conseguirão. Fodam-se os homens. Fodam-se vocês, seus aniquiladores malditos.

A cultura masculina é a cultura da morte, do medo, do desterro, da aniquilação.

A cultura feminina é a firmação da vida, da liberdade, da criação.

O tempo de vocês está acabando. Nós resistimos há milênios - vocês não conseguiram. E venceremos.


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Esse texto é um desdobramento da leitura de um texto maravilhoso de uma de minhas escritoras preferidas, a Natacha Orestes, que pode ser lido aqui no face dela.

Natacha também tem um blog, com mais escritos verdadeiramente grandiosos e importantes, o milfwtf.


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