sexta-feira, 5 de junho de 2015

DESTRUIR A FEMINILIDADE (Ou: a feminilidade é um conceito patriarcal)


Aproveitando a ocasião do texto que acabei de ler [https://amargemdofeminismo.wordpress.com/…/por-que-resistir…].
Demorei, mas entendi a importância de romper com os estereótipos de feminilidade e, aos poucos [não, não é fácil, eu também desejo ser socialmente aceita, admirada, desejo não sofrer hostilizações e olhares tortos nos lugares em que ando], estou me esforçando pra me desvencilhar deles. E tenho observado como esse processo tem sido importante, sobretudo por ter sido eu, a vida toda, lida como uma mulher heterossexual e estar num relacionamento estável com um homem. Digo que isso é importante porque, frequentemente, desque comecei a parar de performar feminilidade, sou confundida com uma lésbica. É claro que não acho ofensivo e nem vejo problema algum [pra mim] em ser lida, por vezes, como lésbica [ainda que veja problemas na redução de lésbicas a certos estereótipos pela associação com a minha aparência desfeminilizada], mas acho também importante marcar que não sou lésbica, que posso ser heterossexual e não performar a tradicional mulher que o patriarcado nos impõe, acho importante comunicar isso a outras mulheres heterossexuais, porque, no geral [me corrijam se eu estiver enganada], muitas lésbicas já são mais livres desses estereótipos nojentos do que mulheres heteras.
Assim, quem não me vê há um tempo, e me vir nos dias de hoje, é capaz de estranhar bastante: praticamente não uso maquiagem [tinha uma necessaire lotada de bases, batons, rímel, sombras e todas essas porcariadas]; cortei o cabelo de um jeito prático e fácil de cuidar: raspado em baixo e curto em cima, não apenas pela praticidade, mas é um jeito que eu gosto e sempre me vi impelida a evitar porque era corte de "homem"; não uso mais saltos altos e roupas desconfortáveis ou qualquer coisa que aperte ou machuque meu corpo ou dificulte meus movimentos; praticamente não uso mais brincos, pulseiras, cordões... apenas anéis, grandes, que gosto muito, ou brincos pequenos, quando estão por perto, porque não me sinto mais na obrigação de ficar acumulando bijuterias e ficar procurando e escolhendo o que usar com que roupa - tenho preguiça - e nem na obrigação de achar que não posso ser bonita ao natural, mas apenas adornada de um monte de apetrechos que me induzem a usar pra que eu creia que sou feia quando não estou com eles; não arranco mais as sobrancelhas, não me depilo mais - me recuso a me submeter a um ritual de tortura com cera quente pra machucar meu corpo e me adequar a um padrão de beleza infantilizante e pedofílico -, ainda que não esteja totalmente resolvida com meus pelos, porque ainda temo muito ser julgada e hostilizada por causa deles, pelo menos não sinto mais dor ou torturo minha pele pra removê-los: quando estou sem coragem, passo a máquina de raspar cabelos e deixo eles bem baixinhos - e isso pra mim, não depilar à cera, e me recusar à tortura, já é um grande passo do qual me orgulho, porque fazia depilação com cera desde os 17 anos.
Enfim, aos poucos vou rompendo com toda essa bosta que nos é imposta pra nos definir, pra nos marcar, pra limitar nossos corpos e informar a sociedade que nós pertencemos à classe de pessoas que existe para ter seus corpos, sua subjetividade, seu sexo e sexualidade, sua capacidade e processos reprodutivos dominados, controlados e explorados pelos homens para gerar poder e riqueza pra eles.
Não é uma coisa fácil de fazer, mas tenho entendido cada vez mais como é urgente e necessária. E, com essa compreensão, tenho construído um orgulho e uma estima enorme por mim mesma por cada passo que dou. E me sinto feliz e resistente por informar a cada mulher que sou uma mulher, hetera, periférica, que não precisa de ritos limitadores e escravizantes do patriarcado pra me sentir bonita, forte, pra me sentir mulher.
E, então, adivinhem o que as pessoas tem me dito, ao me ver, assim, sem a fantasia escravizante da feminilidade, e diante da ciência de que eu não sou uma lésbica?
Que eu sou um homem trans. Emoticon gasp
Porque, é claro, uma mulher não pode ousar romper com os papeis de gênero que o patriarcado reserva pra ela, a não ser que seja lésbica, porque aí, como lésbica, ela assume pra si a culpa por todas as sanções e violências que, segundo a nossa sociedade, as lésbicas devem e merecem sofrer por ousarem ser livres e não se submeterem a feminilidade. Se eu não sou lésbica e, consequentemente, pra nossa sociedade patriarcal, não posso ser responsabilizada pelas sanções que sofreria por desobedecer os ritos de feminilidade impostos a mim pelo patriarcado, eu só posso ser um homem trans, eu preciso ser categorizada como homem. Porque a nenhuma mulher é permitido ser livre, ser natural, a ser como quiser, é claro. Esse é um direito destinado apenas aos homens, e qualquer mulher que insiste nisso, ou será punida ou precisará ser reclassificada como homem. Assim se faz a manutenção dos papéis de gênero.





4 comentários:

  1. agradeça por ser vista como um homem trans...porque se vc faz tudo isso mas tem certo grau de beleza,vc é o garotinho que todos querem comer,vc é uma puta em uma embalagem diferente.
    Ter minhas pernas peldas nunca me livrou de cantadas;usar boinas hoje em dia e achapéus masculinos também não.Então, não creio que a questão seja só a feminilidade;se vc for lida como mulher,acho que nem vestindo um saco de farinha dá jeito...

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    1. Mas o texto não diz em nenhum momento que mulheres que rompem com padrões de feminilidade, sejam heteros, bissex, lésbicas butch ou as que se autoidentificam como homenstrans não sofrem violência. Realmente a questão é ser mulher, é ser reconhecida [ou lida] como mulher. Eu apenas afirmei que romper com os padrões de feminilidade é importante, e não que ele nos livra de violência.

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  2. Fiquei muito feliz ao ver que o blog continua ativo. Assim, posso receber um feedback do meu comentário. :)
    Comecei a ler o "Beleza e Misoginia" da Sheila Jeffreys e estou paralisada. Eu achava que já havia abolido muitas práticas "de beleza", mas vi que estou longe disso. Me encontro no mesmo dilema que o seu. A vontade de me libertar desses rituais macabros, mas ao mesmo tempo tenho medo do que isso pode causar no meu convívio social e profissional. Já não uso maquiagem ou salto. Excluí a depilação de algumas partes do corpo, mas as que são aparentes acabo depilando. Enfim. Só precisava conversar sobre isso.
    Estou comentando como anônima por medo de ameaças virtuais (isso já ocorreu antes).
    Abraços feministas.

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