terça-feira, 21 de julho de 2015

TRANSGENERIDADE É MISOGINIA

"Eu me identifico como mulher" - é uma sentença misógina.

Como você pode se identificar com uma condição que você não conhece por vivência, por experiência, por ter vivido nela?, e da qual conhece, portanto, apenas aquilo que o sistema de códigos que a sua classe de semelhantes criou pra dominar a minha te diz sobre ela?, ou seja, a visão que o sistema que você inventou e domina criou sobre aquelas que você visa dominar e explorar seja da forma que for. Você não se identifica como mulher, você se identifica com uma limitação, uma violência, uma condição de escravidão que me é imposta sem que eu tenha escolha e da qual eu luto pra me libertar. Você afirma como mulher tudo aquilo que eu digo que NÃO É. Você afirma que ser mulher é ser essa escravidão. Você - a quem é permitido ser o que quiser e falar por quem você não permite falar - você não "se identifica" como mulher, você se identifica como a escravidão que me é imposta, como segundo sexo a que fui reduzida, com tudo que uma mulher NÃO É. Você se identifica com o horror, com a violência, com a limitação, com a inferiorização da minha condição de diferença; você acha que se identifica com essa condição justamente porque você a desconhece, porque se você realmente a conhecesse, se tivesse plena noção dela como eu tenho, se a vivesse como eu a vivo, desque me entendo por gente, você ia escolher se identificar como outra coisa - muito provavelmente como um homem, como, muitas vezes, chorando vítima da violência e da limitação patriarcal contra mim, e mesmo sem saber dizer racionalmente o fundamento disso, eu chorei desejando ser um homem e me livrar disso tudo. Você se identifica com uma condição de horror e escravidão apenas porque você não conhece nada dela senão a sua visão de colonizador que naturaliza, fetichiza e romantiza a nossa escravidão: a visão de um homem, adquirida pela sua socialização. Você é homem porque a sua socialização te forjou uma compreensão misógina do mundo, e isso é o que faz de um homem, homem, um sujeito masculino - uma socialização tão misógina que permite a vocês, homens, acreditarem que, mesmo sem ter vivido a experiência material de ser mulher, podem dizer o que é uma mulher a partir da imagem patriarcal e idealizada que vocês fazem de uma. E as mulheres não são isso, essa imagem que você, homem, autorizado por outros homens, cobiça porque fetichiza; mas nós somos exatamente aquelas a quem a sua classe de gente autoriza a você fetichizar, objetificar e a falar por apenas pra satisfazer aos seus sentimentos, a sua vontade, a sua ânsia de identificação, ao seu fetiche DE HOMEM. Porque a nós não é, nunca foi, permitido nada, nem mesmo dizer sobre nós o que nós somos. Nós somos aquelas que, depois de ter nossas condições de miséria, escravidão, de exploração, de segundo sexo, fetichizada por vocês, vamos ser proibidas, também por vocês, e com o apoio de toda a sua classe, de afirmarmos que estamos sendo impedidas de dizer o que somos e que estamos tendo nossa condição fetichizada e romantizada por sujeitos que sabem dela apenas o significado que eles mesmos produzem sobre elas: que somos objetos de todos os seus desejos, de todas as suas vontades, de todos os seus fetiches, inclusive daquele que permite a homens dizer que podem afirmar o que as mulheres são e impedir que as mulheres mesmas as digam, tudo porque o sentimento deles é mais importante do que a violenta realidade material que elas vivem há milênios, porque respeitar o sentimento de homens é mais importante do que ouvir e deixar falar as mulheres, porque o sentimento de homens que "se sentem" mulheres é mais importante do que ouvir as reivindicações daquelas que VIVEM MATERIALMENTE a feminilidade como imposição limitadora do patriarcado desque nasceram e, enquanto classe, mesmo antes disso. Não somos mulheres porque nos identificamos com uma escravidão que o patriarcado impõe sobre nós violentamente, mas somo mulheres porque nós somos aquelas que são designadas como mulheres por ele justamente pra sermos escravizadas e termos nossa escravidão fetichizada por homens que, no patriarcado, podem tudo contra nós. Somos justamente aquelas a quem não será, em nenhuma hipótese, em nenhum espaço da sociedade, nunca permitido que se diga isso, que se diga que temos nossa condição de escravidão e exploração fetichizada e romantizada de diversas formas por homens, a quem esse direito - por meio do desenvolvimento de diversas estratégias patriarcais pragmáticas e discursivas - será sempre negado, sob o risco de termos nosso escárnio, nossos estupros, agressões e morte mais uma vez exaltadas e celebradas, inclusive por sujeitos que dizem que são mulheres como nós, por queremos dizer o óbvio: que numa sociedade patriarcal misógina falocentrada sujeitos que nascem com falos e são designados pelo patriarcado como homens (classe de pessoas socializadas e autorizadas a explorar mulheres) têm e sempre terão - mesmo em circunstâncias adversas -  mais voz e poder do que as coisas que nascem com vaginas e são designadas pelo patriarcado como mulheres (classe de pessoas socializadas e forjadas pra naturalizar a submissão e a própria escravidão).
NÃO, VOCÊ NÃO É UMA MULHER. VOCÊ NÃO TEM A MENOR NOÇÃO DO QUE É SER UMA MULHER, DO QUE É VIVER NA PELE DE UMA MULHER, NO CORPO DE UMA MULHER, NO SEXO DE UMA MULHER, VOCÊ NÃO TEM NOÇÃO. E A IDEIA QUE VOCÊ TEM DE MULHER, ESSA COM A QUAL VOCÊ SE IDENTIFICA, É OFENSIVA, MISÓGINA, VIOLENTA E ME MACHUCA, ME FERE, ME CALA, ME MATA, NÃO PORQUE EU ME IDENTIFICO COM ELA, MAS PORQUE, A DESPEITO DE EU NUNCA QUERER TER SIDO VÍTIMA DESSA VIOLÊNCIA, O PATRIARCADO ME DESIGNOU PRA SER, O PATRIARCADO ME IDENTIFICA ASSIM. SE EU PUDESSE ESCOLHER ME IDENTIFICAR COM ALGO, EU NUNCA IA QUERER ME IDENTIFICAR COM A IMAGEM QUE O PATRIARCADO FAZ DE MIM, ESSA QUE VOCÊ REPRODUZ E REAFIRMA, A MESMA QUE ME REDUZ, QUE ME MATA.
NÃO, VOCÊ NÃO É UMA MULHER, E QUEM ESTÁ TE DIZENDO ISSO SOU EU QUE A SOU.

NÃO, VOCÊ NÃO VAI ME DIZER O QUE EU SOU, VOCÊ NÃO VAI PERPETUAR ESSE SILÊNCIO NEFASTO QUE O PATRIARCADO IMPÕE SOBRE MIM QUANDO ME IMPEDE DE DIZER O QUE EU SOU E COMO EU SOU MULHER ATRAVÉS DA VIOLÊNCIA QUE ELE ME DESTINOU. SOU EU QUE VOU DIZER O QUE É SER MULHER E NÃO VOCÊ. SOU EU QUE VOU DIZER O QUE É SER SUJEITA DO FEMINISMO E NÃO VOCẼ. VOCÊ VAI CONTINUAR SENDO UM HOMEM QUERENDO FALAR PELAS MULHERES SOBRE O QUE AS MULHERES SÃO - NADA DE NOVO NO PATRIARCADO.

Um comentário:

  1. Você diz: muito provavelmente como um homem, como, muitas vezes, chorando vítima da violência e da limitação patriarcal contra mim, e mesmo sem saber dizer racionalmente o fundamento disso, eu chorei desejando ser um homem e me livrar disso tudo.

    Você mesmo diz que devido a circunstâncias difíceis que viveu gostaria de sair do mundo e por assim dizer, tornar-se seu inimigo, aquilo que odeia.
    Ao meu ver, a retórica deveria ser mais não sobre as diferenças biológicas, ou nefastas da propaganda e dos desejos do homem lhe impõe. Mas ao invés disso, deve haver um discurso de consciência, não orgulho, porque odeio orgulho, mas um discurso de dignidade, de apreciar a diferença, de ser mulher não pelo que os homens dizem, mas de se identificar com seus próprios atributos, de ser o que é. A libertação começa com nós mesmos, apreciando o que somos, posteriormente você estará pronta para sair a guerra... Porque o discurso não será mais de vítima, mas de supremacia, de honra.

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