quarta-feira, 22 de março de 2017

TRANSEXUALISMO É CURA HOMOSSEXUAL

Vocês conseguem imaginar uma série de programas sobre crianças lésbicas no Fantástico? E um programa de crianças gays na Fátima Bernardes? Programas com temática CRIANÇAS HOMOSSEXUAIS onde pais e mães discutem sobre como descobriram muito cedo que suas filhas e filhos eram homossexuais porque só queriam estar entre crianças do mesmo sexo, gostavam de brincar com brinquedos considerados adequados para crianças do sexo oposto, queriam se vestir e usar adereços atribuídos ao sexo oposto, demostraram muito cedo interesse afetivo em jovens do mesmo sexo... Oras, durante muitas décadas, era assim que os responsáveis (tanto os mais caretas, conservadores e punitivos quanto os mais progressistas,tolerantes e compreensivos, desconfiavam que seus filhos pudessem ser homossexuais, porque uma das tantas manifestações da homossexualidade pode ser (não é obrigatória, mas é bastante comum) a ruptura com os padrões e papeis de gênero estabelecidos. Sabemos que muitas meninas lésbicas,que se percebem lésbicas desde cedo, rejeitam os estereótipos de feminilidade e os papéis sexuais femininos ainda na infância,e o mesmo pode acontecer com meninos gays sobre os estereótipos de masculinidades. Ainda que não seja determinante ou obrigatória sobre a sexualidade de uma criança/adolescente, a ruptura com os estereótipos de gênero e papéis sexuais sempre foi um certo tipo de alerta para os responsáveis em relação às possibilidades de orientação sexual de suas crianças, todo mundo sabe disso. Há décadas. Talvez até há séculos.

Vocês chegaram a ver algum programa numa grande emissora abordando o tema CRIANÇAS HOMOSSEXUAIS e celebrando a
liberdade e a sexualidade dessas crianças?

Não, né? Claro que não.

Primeiro porque o mesmo público que assiste tranquilamente programas sobre crianças trans, hormonização, medicamentalização e mutilação de crianças e adolescentes ia ficar escandalizado com crianças lésbicas/gays na TV; é o mesmo público que não admite sequer beijo homossexual entre adultos nas novelas. Ao passo em que o transexualismo vem sendo cada vez mais aceito e celebrado nas mídias, nos meios progressistas e até em alguns mais conservadores (vejam o caso do Tammy Gretchen, que quando se afirmou lésbica caiu no escárnio e no ostracismo, mas ao transicionar para homem ganhou simpatia até dos correligionários políticos do Bolsonaro; vejam o caso do Iran, país que proíbe, pune e encarcera homossexuais, mas incentiva e financia cirurgias de "redesignação" sexual e aceita plenamente transexuais como cidadãos )

Segundo porque iam (médicos, psicólogos, psiquiatras, educadores, juristas) dizer (como sempre fizeram em relação à homossexualidade) que tudo isso que está sendo elencado como indício de comportamento homossexual não passam de estereótipos de gênero sendo explorados pela natural curiosidade infantil/adolescente, e que seria ainda muito cedo - a infância e os primeiros anos da adolescência - para que uma criança ou jovem defina sua sexualidade de maneira objetiva apenas pela simples experimentação curiosa do mundo - esse sempre foi o discurso vigente e aceito sobre a relação das crianças com os estereótipos de gênero e papéis sexuais quando a suspeita era de que pudessem ser homossexuais por experimentarem os estereótipos destinados ao sexo oposto e/ou rejeitarem aqueles destinados ao seu. Mas esse discurso (muito sensato, a meu ver, e com o qual boa parte da população com um pouco de bom senso sempre concordou) não serve mais para avaliar crianças em caso de transexualismo. Crianças de 2/3/4 anos estão sendo diagnosticadas como transexuais simplesmente pelo menos motivo pelo qual não deveriam ser apressadamente apontadas como homossexuais: porque gostam de brincar e experimentar coisas que a sociedade convencionou que são coisas do "gênero oposto". Uma menina de 3 anos de idade que apresenta interesse por carrinhos, aviões e peças de montar com forma e cores variadas em vez de se interessar por ursinhos, bonecas e casinhas cor-de-rosa, vai ser logo convencida por seus pais - que provavelmente foram convencidos pela TV e pelo discurso das autoridades médicas/psicológicas e jurídicas - que "nasceu no corpo errado". É possível que os pais passem algum tempo insistindo para que a criança se adeque ao que eles creem ser um modelo correto de comportamento para meninas (gostar de rosa, de vestidos, de laços, ser delicada e meiga, brincar de bonecas) e diante na recusa insistente da criança - que quer apenas descobrir o mundo e brincar com aquilo que prefere, ou com o que mais exercita seu desenvolvimento cognitivo - em se adequar, os próprios pais e médicos se encarregam de forjar nela a ideia de que tem algo errado com ela por se comportar daquela forma. Assim começam a forjar uma consciência transexual numa criança através de uma socialização transexual de uma criança insubmissa e livre, que poderia até ser, talvez, mais tarde, mesmo uma criança homossexual (ou não) interessada em explorar e aderir aos afetos e padrões convencionados ao outro sexo.

Se as pessoas sempre aceitaram que se interessar por estereótipos e papéis convencionados ao sexo oposto nunca foram o suficiente para definir se uma criança se tornaria homossexual ou não (embora muitas vezes a ruptura com os padrões designados a seu sexo pudessem sim ser um - dentre tantos - indicativos disso) porque tá todo mundo acreditando em criança trans?

Em breve não existirão mais homossexuais. Crianças e jovens insubmissos ao gênero por motivações homoafetivas e homoeróticas serão convencidas desde cedo pela criação de uma socialização e uma consciência transexual, a transicionar.

Ser uma adolescente lésbica, sobretudo para as mais inconformes ao gênero (as chamadas "butch", "bofinhas", "caminhão") é um processo violento e doloroso de exclusão, escárnios, desafetos, negativas, agressões e destruição da autoestima. Imagino os efeitos que devem surtir na cabeça de meninas de 6, 8, 11, 13, 15 anos que se sentem plenamente capazes e desejam ser livres, audaciosas, corajosas e respeitadas como os meninos são, mas que cresceram ouvindo e aprendendo que seu sexo é sujo, castrado e imoral, que sua inteligencia e sua existência são inferiores, desprezíveis e incapacitadas,imagino como deve ficar a cabeça delas quando são desde cedo convencidas de que existe uma forma delas acessarem tudo que é do homem, que existe uma forma de elas se tornarem homens também. Imagino ainda, o grande conflito que deve ser constatar - quando se amadurece as vivências e a compreensão - que nada que o processo de transição lhes ofereça, apagará toda violência castradora que viveram cada vez que foram identificadas como sexo feminino e o fato de que tomar hormônios e mutilar os seios não lhes dará a propriedade sobre o exercício dos privilégios masculinos. Transexualismo existe para reconverter homossexuais à heteronorma através de um rearranjo dos casos de insubmissão ao gênero: realocando e submetendo as pessoas insubmissas ao que deveria ser o seu gênero no outro gênero e readequando seus corpos ao sexo correspondente ao gênero ao qual ela passa a pertencer, se conservam os códigos e a ordem regime heterossexual que deve vigorar para que vigore o próprio patriarcado. No patriarcado, o regime heterossexual não pode se desfacelar, e a maior ameaça a ele é a homossexualidade, mais precisamente a homossexualidade feminina, a CONDIÇÃO LÉSBICA. É manutenção dos estereótipos de gênero e da heterossexualidade que sustenta o patriarcado. É a conversão de lésbicas em homens trans, ou seja: em pessoas dentro da norma heterossexual, o sentido mais profundo e o primeiro e último objetivo do transexualismo. Apagar a existência lésbica, a história lésbica, a resistência e a insubmissão lésbica à aos padrões da heteronorma ressignificando lésbicas como homens é a finalidade principal do transexualismo.

Transexualismo é misógino e lesbofóbico. Transexualismo é cura homossexual. Transexualismo é apagamento e aniquilação de lésbicas."


4 comentários:

  1. O texto está muito bom, Ana. Quando tu mencionou o termo butch, me surgiu a dúvida. E a foto da artista que interpreta a Boo, de OITB, também me intrigou. Butch, pelo meu entendimento leigo neste termo, é basicamente sobre lésbicas que optam por masculinizar-se ou neutralizar-se esteticamente na sociedade. Mas muitas continuam, infelizmente, fazendo permear comportamentos e hábitos de relação abusivo com outras mulheres, fora a dicotomia em não assimilar-se com as "femmes", mas sentir atração pelas mesmas. Ou eu estou fazendo muita confusão. Ainda assim, gostaria de poder alçar um linha entre duas ou mais visões sobre isto e de entender melhor como é que algumas lésbicas vivenciam ser uma "butch" e no que isto implica. Raramente falamos sobre comportamentos abusivos em casais lésbicos, visto na perspectiva de que alguns destes casais optam por assimilar-se com a casta masculina e isto inclui possuir alguns adjacentes opressivos, como a objetificação e sexualização de mulheres "femmes" ou socializada como feminina. E não estou reduzindo a amplitude da lesbianidade, considerando que ela é, em si, um ato, uma política, uma forma irrefutável de autonomia e de insurgência contra o patriarcado. Mas e quando a autonomia performa o hábito daquele que oprime? Não necessariamente mulheres lésbicas performam estes hábitos, assim como mulheres não-lésbicas também assumem comportamentos assim, em defesa da cultura violenta do macho. É complexo para uma lésbica de primeira viagem entender todo este terreno amplo das diversas teorias acerca da comunidade lésbica e de como a mesma se expressa socialmente e individualmente. Esse é o primeiro ponto. O que é ser uma lésbica butch? É atacar os papéis de gênero ou dissociar-se de um e migrar para o outro?

    A segunda questão é sobre essa atriz que participou de uma entrevista que ela fez no Brasil com ícone dos discursos racistas, misóginos e de direita, Danilo Gentilli. Nessa entrevista ela expressa comportamentos muito objetificadores sobre as mulheres que me deixou um pouquinho chateada, visto que eu gostava da personagem que ela fazia no Orange is The New Black e acabei erroneamente associando a lésbica "Boo" a lésbica butch de Lea Delaria. O que tu pensa sobre isso?

    Sobre um pedaço da entrevista e das algemas que Lea deu ao Danilo, em referência a série OITB:

    "Lea disse: eu acho que você iria se divertir, é bem do seu tipo. Depois disse "voluntárias?", e ele falou "eu vou querer uma vagabunda da platéia depois" e ela começou a rir.

    Aqui tem o link do vídeo da entrevista, que é dividido pelo Youtube em duas partes: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjZiLCbuO3SAhWEQ5AKHce1CrQQtwIIGjAA&url=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3Dpqc2JnWSXds&usg=AFQjCNHmfhVyqaA8DP3SMmWuv_AwtJRY9g&sig2=mHTMwzuXlbByy1ogY1E4Jg

    E aqui tem a foto em que Danilo pede que sua assistente dance com Lea, assistente que na primeira vez do programa já foi nocauteada com o humor racista do apresentador.
    https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTKPOl2_6GSDbJRXHwM7i_b389RHdDSIiPogc_yLnkw9yj-Yomw


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  2. Oi! Eu vou te responder com reflexões, porque não tenho certezas rigorosas sobre as questões que você coloca. Primeiro, eu acredito que apesar de lésbicas reproduzirem modelos e padrões heterossexuais de relacionamento, nosso lugar na sociedade heterossexual é muito radicalmente diferente dos papéis heterossexuais, então eu já concordo com a crítica que muitas de nós fazem sobre usar termos heterossexuais pra definir a nós e a nossos relacionamentos, termos como "lésbicas masculinizadas", "femmes", "relacionamentos abusivos". A gente sempre foi narrada e definida (a nossa história, assim como a nossa condição) pela linguagem e pela racionalidade patriarcal, não nos tem sido permitido acessar a nossa história, da existência e da resistência lésbica no processo de desenvolvimento das sociedades no tempo, dessa forma, sem conhecer nosso passado, dificilmente seremos capazes de nos significar a nós e a nossas experiências, politicas, afetivas, sociais, a partir de nós mesmas, e sempre estaremos dando sentido as nossas existências através dos significados que o patriarcado impõe sobre nós. Nesse sentido, não nos é oferecido muitas alternativas a não ser reproduzir/desdobrar esses sentidos nas nossas experiências materiais para que possamos existir materialmente através do sentido que damos a nossa existência, e dificilmente saíremos desse ciclo de nos significar com os sentidos patriarcais e moldar nossas vivências a eles para que tenham sentido (não sei se estou sendo clara, me diga, pfv). Mas, ainda sim, a gente sabe que as vivências lésbicas extrapolam os sentidos patriarcais, justamente porque,numa sociedade falocrática, a construção de afetos e sexualidade ginocentrada é revolucionária, ainda que esforcem por encaixá-las em padroões heteronormativos. O que eu acredito é que a gente precisa liberar nossas experiências desses significados patriarcais e heterocentrados e perceber as nuances e particularidades que fazem com que relações lésbicas, por mais que se esforcem pra nos fazer crer que sim, não se encaixam nos padrões heteropatriarcais. Lésbicas inconformes ao gênero não estão tentando se masculinizar, relações entre lésbicas inconformes ao gênero e lésbicas mais adequadas a ele não são nem de longe o mesmo que relações heterossexuais, problemas entre casais lésbicos, por´mais violentos que possam ser, não tem o mesmo fundamento de abuso enraizado que relações heterossexuais - negar isso é apenas pautar a condição lésbica e a afetividade e a sexualidade lésbica de um ponto de vista hetero/falocentrado. A gente precisar enxergar e significar as relações e a condição lésbica a partir de outros referenciais, cravados, enraizados, na nossa história, nas nossas vivências, nas nossas próprias concepções de mundo, na nossa ética, na nossa estética e na nossa própria poética. É um trabalho enorme, mas a gente precisa começar a fazer. Um passo importante e fundamental pra isso é a gente começar a escrever a nossa História, é a gente buscar nossas memórias, nosso passado, conhecê-lo, falar dele, escrever sobre ele, desdobrá-lo em literaturas, música, cinema, artes de todo tipo, em políticas, conversas de bares, enfim, fazê-lo presente na gente, no nosso corpo individual, mas, sobretudo, no nosso corpo coletivo. É a partir dele que a gente vai gerar os sentidos pra falar da nossa condição presente, pra entender porque há violência em relações lésbicas, porque ainda reproduzimos a heteronorma em nossas relações, pra entender onde conseguimos romper com ela e como fazer pra romper ainda mais... é a partir dos nossos sentidos e significados que precisamos fazer isso, e não dos sentidos patriarcais, como historicamente temos sido impelidas a fazer desde sempre. pra continuar sob seu jugo.

    Aqui tem um texto que fala sobre a questão da violência entre lésbicas, e que sinaliza exatamente sobre isso que to querendo dizer. :)

    https://heresialesbica.noblogs.org/

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  3. Transformei essa conversa num post. Obrigada por mover meus penamento. <3

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  4. Olá Ana. Parabéns pelo texto!!!
    Não pare de escrever sobre a vivência lésbica, por favor.
    Cê ajuda pra buceta!!!

    #Naoaopatriarcado
    #transativismolesbofobico
    #misoginianao

    VIVA A BUCETA!
    BUCETA VIVE

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