quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

SOBRE HOMENS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Existe um modus operandi de agressores, muito provavelmente todas já ouviram falar nos ciclos de abusos, né? Aquela coisa que o cara começa com pequenas violências emocionais, como censurar a roupa, futucar o celular, vigiar a pessoa, depois vai se tornando mais violento, vem os gritos, as violências verbais, a postura corporal intimidadora, as ameaças, aí a mulher chora, diz que vai terminar, quer ir embora, o cara promete melhorar, fica legal por um tempo, o relacionamento fica de boa, até que as violências começam de novo, sempre de maneira progressivamente mais intensas, o cara já empurra, puxa pelos cabelos, joga objetos, ameaça de bater, a mulher diz que vai terminar, ele promete mudar, fica de boa um tempo e, então, começa tudo de novo, agora ele já dá uns tapas, depois uns socos, depois espanca, e o final a gente sabe: esse cara um dia MATA a mulher.

Esse ciclo é real, já foi observado em estudos sobre a violência doméstica, é descrito em trabalhos acadêmicos e estudos sobre o tema e sobre a saúde da mulher. A morte, quando a mulher não consegue romper e sair, é praticamente uma certeza.

Essa é uma situação que frequentemente nos leva a crer que homens dão indícios de violência, e que se a mulher observar atentamente, ela pode sair da situação ainda no início e se livrar de violências mais pesadas e até da morte. E isso é um fato, não pode ser negado, mulheres estejam atentas e sejam fortes pra romper o ciclo logo no inicio e dar um pé na bunda desses miseráveis.

Agora, tem uma coisa sobre a qual ninguém fala. Que esse não é o único modo de manifestação da violência doméstica, da violência do homem contra as mulheres de seu convívio. Existem os que matam (ou tentam matar) sem dar nenhum sinal. ABSOLUTAMENTE NENHUM. Tenho observado cada vez mais relatos de sobreviventes ou de familiares das que morreram afirmando que o agressor nunca tinha sequer levantado a voz pra mulher. Que era um sujeito carinhoso, bom marido, bom pai, que nunca havia manifestado violência e, movido pelo sentimento de poder e propriedade e contrariado nesse sentimento por algo que viu ou desconfiou, numa crise de possessividade, tramou a morte da mulher e executou seu plano. As sobreviventes afirmam: uma pessoa que eu confiava, com quem dividi a vida, que jamais esperava fazer uma coisa dessas.

Poizé, amigas, eles fazem. Eles fazem porque podem, porque sabem que podem, porque a sociedade os autoriza a fazer. Com ou sem indícios e sinais anteriores, os homens matam as mulheres quando querem. Todo e qualquer homem pode fazer isso, já vimos que não há garantias.

Agora eu pergunto a vocês: sabendo que não há garantias, vocês são capazes de confiar plenamente em um homem? Viver sob o mesmo teto, relaxar e dormir ao lado dele, virar as costas pra ele numa situação de tensão, contrariar ele e seus gostos? Como vocês conseguem confiar suas vidas a homens sabendo que, embora nem todos façam, você não tem garantia alguma se o que divide a vida contigo não seria capaz de fazer?

Vocês não sentem MEDO?

Eu senti esse medo durante todo período da minha vida em que me relacionei com homens, em algum momento de todos relacionamentos que vivi com homens esse medo surgiu. Mas eu aprendi a ignorá-lo. Eu aprendi a achar que isso era loucura e exagero e achar que o normal é botar minha vida em risco em nome do "amor". Mas esse medo não é exagero e nem loucura, é autopreservação, que a realidade das mulheres jogada todos os dias na nossa cara através das noticias de estupros, espancamentos e feminicídios nos ensina e que o patriarcado nos impele a questionar e negar. Mas eu posso dizer sem hesitar que eu senti esse medo, que ele sempre me acompanhou, embora eu não desse muita atenção a ele.

Agora, no entanto, eu aprendi a ouvi-lo, eu não nego mais meu instinto de sobrevivência e autopreservação, e eu sinto uma autoestima e um amor próprio imenso porque em vez de ignorar esse medo, questionando minha razão e minha sanidade, eu o cultivo, justamente com base nelas e na observação da nossa realidade cotidiana.

E eu recomendo a todas: ouçam seus medos, ouçam seus próprios chamados.


Imagem retirada do texto A ausência do termo "feminicídio" na mídia, do blog do Coletivo de Jornalistas Nísia Floresta

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