quarta-feira, 23 de março de 2016

O QUE ME FOI ROUBADO



Eu tenho um povo. Eu faço parte de um povo sob cuja escravidão, expropriação e exploração foram construídas as bases e fundamentos do que se chama, hoje, civilização. Eu faço parte de um povo que foi segregado, escravizado, explorado, de quem foi tomada violentamente a principal forma de produção de subsistência, o seu corpo, seu corpo físico e material, que foi decretado, primeiro, como propriedade de seus dominadores, em seguida, do Estado, e a quem não têm sido permitido construir ou guardar memória, saberes, identidade - justamente pra que se apague, também, as evidências dessa expropriação; um povo que foi segregado em sua constituição e a quem não é e não será jamais permitido que enxerguem a si mesmas como povo; um povo que guarda e partilha particularidades, que partilha uma cultura milenar que lhes têm sido negada, sequestrada, apagada, mas que insiste em resistir, uma cultura com base material em sua vivência única como o povo que é, uma cultura que transpassa a ideia moderna de povo enquanto nação e que nos constitui como povo pela partilha insistente dessa cultura que tem base naquilo que nos une enquanto povo: o nosso Ser no mundo a partir de nossa experiência mais fundamental, a primeira e mais fundamental forma de estar e compreender o mundo, dar sentido a ele e forjar cultura a partir disso: a experiência corpórea/corporal de ser fêmea no mundo, partilhada por nós em qualquer época, em qualquer lugar - aquilo que há de mais original e fundante na produção de sentido sobre o mundo e sobre nós, e que nos tem sido negado fazer, para que, justamente, vejamos em nós a diferença em vez da semelhança, e para que possam seguir nos sequestrando o direito de Ser.


Eu faço parte de um povo, segregado, separado, expropriado, explorado, aniquilado, assassinado, a quem por milênios têm sido negada a possibilidade de nos enxergarmos como semelhantes, não só fisicamente, mas naquilo que nos forja: a nossa materialidade e toda violência a que temos sido submetidas a partir dela.

Eu tenho uma origem, um fundamento, um lugar, uma pertença. Eu sou uma MULHER, filha de uma MULHER, neta de uma MULHER. Eu tenho o sexo feminino no meu sangue, no meu corpo, na minha constituição, na minha origem, na forma como eu vejo o mundo e produzo sentido pra ele.

Eu sou uma MULHER, a origem e o final de qualquer humanidade, em todas as épocas e em todos os lugares.

E eu pertenço ao povo das nascidas com vagina. Emoticon heart



"Sexismo é a fundação onde toda tirania é construída. Toda forma social de hierarquia e abuso é moldada tendo como ponto de partida a dominação macho-fêmea." (Andrea Dworkin)






Não mexam com meu povo, homens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aqui você tem voz, mulher! Diga o que quiser!